O softish landing do Fed
Por Vitoria Saddi
Na penúltima semana de setembro o Federal Open Market Committee (Fomc) sugeriu a suspensão do ciclo de alta de juros que teve início em março de 2022. Desde então, a autoridade monetária americana subiu juros em 550 pontos base. Como resultado, a inflação de preços ao consumidor foi de 8% em março de 2022 para 4,3% em agosto de 2023. O desemprego ficou estável em 3,8%, mas a criação de novos empregos teve queda significativa indo de mais de 900 mil novos postos de trabalho em março de 2022 para cerca de 187 mil postos em agosto de 2023. Em termos de crescimento, espera-se que o PIB dos EUA avance cerca de 2% este ano. Teoria econômica e sua aplicação prática caminham lado a lado. Nesse sentido, em março, Alan Blinder, um dos mais respeitados acadêmicos e ex-vice-presidente do Fed, publicou um artigo revolucionário. Para ele, em seis das 11 vezes que o Fed subiu juros [nesse porte] desde 1961, conseguiu debelar a inflação sem produzir recessão.
O propósito deste texto é investigar se a atual parada do ciclo de alta de juros — quando o desemprego é ainda baixo, a economia mantém perspectiva de crescimento positivo do PIB em 2023 e 2024 e a inflação ainda anda acima da meta de 2%, mas em trajetória de baixa — significará um novo soft landing. Em geral, quando o Fed se prepara para combater uma inflação alta, passa a praticar uma política monetária restritiva via alta da taxa da Fed Funds (o equivalente à nossa Selic). A taxa Fed Funds é apenas uma de um conjunto de taxas de juros e, via arbitragem, a curva de juros inteira acompanha a sinalização dada pela taxa básica (Fed Funds). O processo afeta negativamente o mercado de ações e aumenta o valor do dólar em comparação às demais moedas. As altas taxas de juros também tornam o crédito mais caro e tendem a reduzir a demanda agregada. Se o Fed reduzir a aceleração dos preços sem provocar recessão significativa teremos uma situação de soft landing. Um aperto monetário maior irá induzir a uma recessão e, assim, ao chamado hard landing. Se o aperto monetário for pequeno também não irá debelar a inflação. Ou seja, o banco central está operando entre a ‘cruz e a espada’: se subir muito os juros leva à recessão, e se não subir a inflação volta.
Blinder corretamente explica que soft landing é uma espécie de Holy Grail da macroeconomia. Um Cálice Sagrado. É o sonho de qualquer banco central conseguir subir juros sem produzir alguma recessão. Blinder explica que o lag entre a decisão de alta de juros do banco central e o impacto na economia é absolutamente variável. E, por mais que tenha havido avanços na econometria é impossível prever o número de meses (e anos) que tal alta de juros terá no lado real do sistema. De um lado porque as demais taxas de juros tendem a subir, e afetar a curva inteira, mas o timing também é incerto. De outro lado, firmas e consumidores também irão ajustar suas decisões de gasto e investimento à nova situação de juros altos. Tais reações serão influenciadas pelas expectativas acerca das taxas reais de juros futuras e da inflação. Finalmente, essas decisões terão efeito multiplicador, efeito esse que irá se alastrar no resto da economia. O timing é incerto sobre a consequência da alta de juros no PIB, e tal impacto pode vir apenas depois de um a dois anos, segundo Blinder.
Ele diz que há três tipos de aterrisagem (landing) que a economia pode observar. O primeiro é o hard landing: situação em que o PIB real cai mais do que 1% em até um ano após o final do ciclo de alta de juros. O segundo é o soft landing, quando o Fed anuncia o final do ciclo de alta (como ocorreu na última reunião) e após um ano o PIB não cai, continua estável ou subindo. Por fim, temos a situação mencionada inúmeras vezes ao longo da entrevista que segue a decisão do Fed pelo seu presidente: softish landing. Esta última é uma situação em que a economia experimenta uma desaceleração ou correção, mas a queda não é tão severa quanto o hard landing. É possível que seja a situação vivenciada atualmente pelos EUA. A credibilidade conquistada pelo Fed desde 2008 fez com que o mercado acreditasse de modo quase incondicional nas palavras da autoridade monetária. De fato, o impacto recessivo no PIB em resposta à alta de juros é tanto maior quanto menor a credibilidade do Fed. Talvez o futuro próximo nos mostre que os novos ciclos de alta de juros nos EUA possam ocorrer com impacto desprezível em termos de queda de PIB.
Vitoria Saddi, PhD em economia pela University of Southern California, é estrategista da Sm futures. Atuou como economista-chefe da Roudini global, do Citibank, da queluz asset e do Salomon Brothers