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Para inovar, Lula precisará olhar para o passado

Presidente tem de admitir que o modus operandi atual desperdiçará tempo e dinheiro ­— conta que será paga pelo mais pobre

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Edson Rossi: "Lula não pode chacoalhar a cadeira do presidente do Banco Central (BC) e questionar uma autonomia que tem feito nossa inflação não disparar" (Crédito: Divulgação)

Por Edson Rossi

Não há qualquer dúvida de que um presidente que fale de vida e preza pelas instituições será muito mais que o seu oposto. Vale para Lula III. E a qualquer brasileiro. Vale a Biden, Macron e Xi Jinping. Ser muito mais que seu antecessor, o lúmpen-ex-presidente JB, no entanto, não exime nosso atual soberano de se comportar. Em todas as frentes. Não pode falar que usar muletas ou andador torna alguém feio, como disse em seu programa semanal. Não pode demitir ministra para colocar o Fufuca. Não pode ficar chateadinho por ser cobrado pela presença de uma ministra negra no STF. Não pode chacoalhar a cadeira do presidente do Banco Central (BC) e questionar uma autonomia que tem feito nossa inflação não disparar. Não pode achar que mandará em Arthur Lira porque o Congresso é um ser fisiológico, lugar em que o PT atua muitas vezes ao lado do PL e longe do PSOL — a.k.a. anistias e fundões partidários. Um parlamento polimorfo perverso, por assim dizer.

Esse é o cenário. O setup, se usássemos a estrutura dos Três Atos. Tempo + Espaço + Tema/Personagens. De toda forma, é só o cenário. E não a trama em si. Esta se baseia numa palavra: economia. Crescimento, senhor presidente. E para destravar este Projeto de Nação talvez o senhor tenha de olhar para o passado, e não para um embotado futuro cujo elenco traz Reforma Tributária sob esquartejamento e Arcabouço Fiscal sob boicote, para ficarmos apenas em movimentos recentes. Olhar para o passado como fez Josko Gravner.

Já falei dele aqui. Coisa de uns 20 meses atrás. Necessário repetir. Gravner é um ícone do mundo do vinho. Nascido em uma família do alto da Itália, na divisa com a Eslovênia, em que produzir vinho é destino e sina. Ele assume o comando da marca da família e decide viajar no fim dos anos 1980 para conhecer o que havia de mais moderno no mundo dos vinhos. O Éden da Inovação. Segue para a Califórnia, que naquele momento despontava já havia uma década no universo dos brancos e tintos, desde o tal do Julgamento de Paris, em que um Cabernet Sauvignon de Nappa Valley bate concorrentes franceses. A historinha virou filme. Um orgulho americano. O que Gravner encontra, porém, o assusta. Resumidamente, vinhos sem alma. Corta para Lula III. O que o senhor presidente brasileiro enxerga agora, de País e de nossa estrutura política, não é muito diferente do que Gravner enxergou. Uma completa e inescapável decepção.

“Este novo congresso, mais poderoso, exigirá de lula comportamento que demonstrou em seus dois primeiros governos, como o respeito fiscal”

Gravner decide então que não buscaria inovação olhando o tal de futuro, mas sim o passado profundo. E passa a produzir vinhos com técnicas de 8 mil anos, em ânforas, como na Geórgia, antiga república soviética que se mantinhas presa no tempo. De lá sai seu manual de futuro. Vinhos a partir de uma cultura biodinâmica, lastreada nas fases da Lua, usando ânforas gigantes enterradas, vinificando uvas brancas sem retirar a casca, sem correções de filtragem, respeitando engarrafamentos em fases de sete anos. Gravner faz assim nascer o que o mundo passou a chamar de Vinho Laranja — ele tenta corrigir, sem sucesso, dizendo que a cor é o âmbar. Não importa. O que importa é que ao olhar para o passado, Gravner redesenha o futuro. Inova, porque inovar não é necessariamente fazer o que nunca foi feito, mas fazer o que foi feito de um jeito de outro jeito — e melhor. Corta para Lula III. Administrar um novo Congresso, com novos poderes e dinâmicas mais elaboradas, está a exigir de Lula um comportamento amparado nas raízes. E elas se fundamentam sim em uma economia de respeito fiscal, como a que praticou por oito anos e fez o Brasil crescer e se tornar queridinho global — papel hoje da Índia. Isso nos fará ganhar tempo e dinheiro e evitará que a conta seja paga pelos mais pobres, como sempre acontrece por aqui. Lula tem uma vantagem imensa sobre Gravner. Não precisa voltar 8 mil anos. Precisa voltar de uma a duas décadas.