Economia

Motoristas e entregadores de aplicativo x empresários: regulamentação é sinuca de bico para Lula

Promessa de campanha de Lula, a regulamentação do trabalhador de aplicativos de mobilidade pode se tornar um problemão que atingirá outros ministérios

Crédito: Amanda Caroline da Silva

Entregadores de aplicativos: reivindicações de direitos que sacodem a área econômica do governo e o bolso dos empresários (Crédito: Amanda Caroline da Silva)

Por Paula Cristina

Durante a campanha eleitoral do ano passado, uma das principais bandeiras da gestão petista foi prometer a regulamentação — com vínculo e contribuição ao INSS — dos motoristas e entregadores de aplicativo. A escolha não foi ao acaso. Em tese, trata-se de uma classe ampla de trabalhadores, que converge com as raízes do partido, e que não estava tão abertamente envolvida com os discursos bolsonaristas como os caminhoneiros.

Havia pressão e greve de trabalhadores que buscavam melhores condições de trabalho, e gigantes multinacionais pagando pouco e enfrentando problemas trabalhistas em todo o mundo. Para liderar esse processo Lula escolheu Luiz Marinho. Ex-prefeito de São Bernardo do Campo (SP), que por anos foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e também esteve nos dois primeiros mandatos de Lula, o novo (velho) ministro do Trabalho logo percebeu que mexer nisso sendo parte do governo, e não na oposição sindical, não é tão fácil.

Hoje apenas 23% dos trabalhadores da categoria contribui para a Previdência Social, e as empresas ainda não parecem nada inclinadas a um acordo.

A solução seria, então, que o governo ajudasse ou estimulasse de alguma forma essa adesão, seja com benefício para empresas, ou subsídio para o trabalhador. E isso já acendeu um alerta nos ministérios do Planejamento e da Fazenda, e tem gerado alguma tensão dentro do próprio partido.

Origem do conflito

Para entender o problema é preciso voltar alguns meses. Luiz Marinho no primeiro trimestre disse que a regulamentação dos motoristas e entregadores ficaria para o segundo semestre, já que outras pautas de alívio fiscal precisariam ser aprovadas antes.

Agora, os trabalhadores começaram a cobrar do Ministério do Trabalho alguma ação. Tudo isso enquanto greves pontuais davam indícios de que poderia haver um escalonamento da tensão entre trabalhador e empregador.

Marinho, então, sinalizou que estava em vias de terminar um texto a ser enviado para o Congresso. Segundo apurações da reportagem, o texto seria enviado na primeira semana de outubro, mas algumas mudanças ainda devem ser feitas, o que pode atrasar o plano inicial.

Antevendo as dificuldades para aprovação no Legislativo, o governo assumiu o papel de arbitragem do conflito e criou uma mesa tripartite, com participação de entregadores, motoristas e plataformas digitais.

A primeira negociação envolvia uma remuneração de R$ 30 por hora para os motoristas e R$ 17 para os entregadores. Em um primeiro momento, Uber e 99 aceitaram as condições para os motoristas, mas refutaram qualquer possibilidade de criação de vínculo empregatício.

Entre os aplicativos de entrega, como iFood, Loggi e Rappi, as negociações não parecem embicar para uma solução. No texto desenhado pelo Ministério do Trabalho estaria incluso uma cláusula de custos operacionais com veículos. Esse piso seria de R$ 7,50 por hora trabalhada — no caso de entregadores (motociclistas) seria a metade, R$ 3,75. Sobre o valor total (hora paga + auxílio a custos operacionais) haveria a incidência de 27,5% de contribuição previdenciária. As empresas pagarão 20%. Os motoristas e entregadores, 7,5%.

Segundo Marinho, acertar o passo entre as duas partes será fundamental para criar bases e parâmetros trabalhistas da economia do futuro, amplamente digital. “É um momento de discussão importante, a nossa mediação visa encontrar uma solução viável para todas as partes, inclusive para o governo”, disse.

Para Edmundo Carvalho, advogado e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a decisão seria uma novidade mundial. “De fato o Brasil sairia na vanguarda do mundo se conseguir uma articulação desse porte”, disse.

Outros países, como Alemanha, Austrália, Chile, Estados Unidos e Reino Unido também tentam equacionar esse problema, mas nenhuma regulamentação já está definitivamente testada e posta em prática e, acima de tudo, juridicamente validada .

“Por aqui os entregadores querem vale-refeição e seguro desemprego. É justo? Ninguém sabe. Nem o governo, nem as empresas nem os trabalhadores. É tentativa e erro”, disse Carvalho

Previdência

Com a negociação em curso, o governo tenta amarrar outras formas de proteção ao trabalhador, e de quebra ainda conseguir aumentar a arrecadação da Previdência Social que, mesmo após a reforma, precisa aumentar a contribuição para não cair no mesmo problema de sustentabilidade em que estava até 2016.

Segundo Lula uma resolução do imbróglio seria o desenvolvimento de um regime híbrido, com uma divisão mais justa entre as obrigações previdenciárias entre o trabalhador e a empresa.

A forma como seriam conduzidas as arrecadações e obrigações, no entanto, não foram divulgadas ainda. Mas se o governo quiser já tem na Câmara um texto que aborda o assunto. De autoria do deputado federal Júlio César (PSD-PI) o projeto de lei 773/2023 enquadra os motoristas e entregadores como trabalhadores intermitentes.

O modelo, regulamentado na Reforma Trabalhista, apesar da prestação de serviço esporádico, estabelece vínculo de subordinação. Assim, o contratado passa a ter os demais direitos do trabalho garantidos, com exceção do seguro-desemprego. No trabalho intermitente, as atividades se dão em horas, dias ou meses.

Luiz Marinho, ministro do Trabalho (Crédito:Pedro Ladeira)

É um momento de discussão importante, a nossa mediação visa encontrar uma solução viável para todas as partes, inclusive para o governo.”
Luiz Marinho, ministro do Trabalho

O texto, porém, contém pegadinhas. Uma delas é exigir que o governo dê contrapartidas para os empresários. Benefícios e isenções de impostos que poderia ter um impacto entre R$ 15 bilhões e R$ 25 bilhões em renúncia fiscal.

Assessores próximos a Luiz Marinho dizem que a preferência da pasta é que, caso o governo precise entrar no jogo com recursos, que ele deve ser feito ao trabalhador, não ao empresário.

Outros ministros, como Rui Costa (Casa Civil) e Wellington Dias (Desenvolvimento) também compartilham da ideia — ambos fazem parte, ao lado do Marinho, do que é considerada a ala mais dura do Partido dos Trabalhadores no governo.

Na parte progressista e mais liberal do governo, em especial Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), a possibilidade de criar essa despesa é desproporcional à função do Estado. Já que, além da redução brusca da arrecadação, há grandes chances de judicialização.

Com todas essas peças no tabuleiro, o presidente Lula fica em uma sinuca de bico. Se assumir o ônus da renúncia fiscal, criará uma tensão dentro do governo. Se aprovar à revelia das empresas, terá problemas com big techs. Se negar tudo, terá um impasse com uma base importante de seu eleitorado e petistas de longa data. É só escolher qual custo está disposto a pagar.