A preocupante falta de regulação nas práticas ESG

Recentes casos de irregularidades na venda de créditos de carbono e ausência de transparência em ações sustentáveis mostram necessidade de ampla fiscalização

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Sérgio Vieira: "Quem deseja que o Brasil seja referência em ESG, precisa levantar a bandeira da transparência" (Crédito: Divulgação)

Por Sérgio Vieira*

Uma recente notícia alarmante chamou a atenção para uma situação extremamente preocupante, que é a falta de regulação das ações de ESG praticadas pelas empresas no Brasil, principalmente no eixo ambiental. A Defensoria Pública do Estado do Pará impetrou ação na Justiça contra cinco empresas brasileiras e três estrangeiras por usarem terras públicas na Amazônia para obter lucros, de forma irregular, com a venda de créditos de carbono para companhias multinacionais. Esses créditos foram usados por empresas de diversos setores e até por um clube de futebol da Inglaterra para compensar as emissões de gases de efeito estufa. Isso sem que houvesse qualquer tipo de comunicação aos órgãos públicos.

A situação mostra duas realidades: a primeira delas é que é necessário estabelecer regras públicas claras sobre o mercado de crédito de carbono, como essa prática deve ser realizada. O segundo ponto diz respeito à inacreditável falta de fiscalização das iniciativas de ESG anunciadas pelas empresas. Se muita gente diz que há agências reguladoras para tudo, o que não deixa de ser uma verdade inconveniente, por que não criar ou dar a atribuição para alguma que já exista de checar as regras estabelecidas nas áreas ambiental, social e de governança? Não adianta só colocar na ponta do lápis e pagar bônus para executivos. É necessário que haja um órgão de controle para garantir que tudo o que está sendo falado está sendo de fato cumprido. Simples assim.

E, se já não bastasse a necessidade de fiscalização do que está sendo proposto em termos de ações sustentáveis pelas companhias, o Brasil patina também no quesito transparência dessas mesmas iniciativas, muitas delas apresentadas com pompa e circunstância. É justamente o que mostra estudo divulgado no fim de setembro pela Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS). O documento Recomendações para Fortalecimento da Consideração de Questões Climáticas e Socioambientais na Regulação de Mercado de Capitais Brasileira traz a dura realidade de companhias listadas na B3 e que adotam baixa transparência nas ações de ESG, ainda que algumas delas tenham grande risco de impacto ambiental e climático.

Entre os pontos trazidos pela SIS estão desconhecimento ou falta de monitoramento da cadeia de valor; empresas que emitem títulos verdes, mas não possuem evidências de que cumpram a legislação sobre as práticas socioambientais; e disparidade salarial que pode chegar a 1,7 mil vezes entre o rendimento médio dos colaboradores e o do CEO.

Outra questão importante é que não há qualquer definição de critérios sobre elaboração de relatórios de sustentabilidade. A pesquisa avaliou 60 empresas listadas na Bolsa, e desse número, 52 possuem relatórios de sustentabilidade. Das oito que não têm, sete atuam em área de alto risco ambiental. Com esses dados, a SIS fez uma recomendação à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para que estabeleça regras sobre quais empresas devem elaborar esse tipo de relatório. Parece que, até então, ninguém havia se dado conta disso.

E o pior: as que divulgam os relatórios de sustentabilidade não descrevem casos concretos envolvendo o cumprimento das normas ali colocadas. Do recorte, 90% não trazem exemplos de riscos sociais que podem causar por suas atividades, e 86% não abordam os riscos ambientais. Ou seja, estamos vendo apenas um frame, somente o que a empresa quer mostrar e não o que precisa de fato ser observado. Um grande problema.

Esses exemplos mostram que de nada adianta uma ação sem que haja contestação, sem que haja fiscalização. É importante comprovar de fato o que está sendo feito, com resultados concretos. E, principalmente, ter a chancela de quem fiscaliza. É preciso, inclusive, pensar em punições, para quem diz uma coisa e, na prática, faz outra. Esse é melhor caminho para todo o ecossistema ESG no País.

Quem deseja que o Brasil seja referência neste tema, precisa levantar a bandeira da transparência. Caso contrário, vai transmitir a imagem de que propaga apenas ações populistas e assistencialistas, tudo o que não queremos. Só falar não conta. É preciso provar. Para o bem de todos.

*Sérgio Vieira é editor de ESG da DINHEIRO.