Coluna

Espírito competitivo na era da colaboração

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Jorge Sant’Anna: "Pesquisas sobre colaboração no trabalho mostram que empresas que promovem a colaboração interpessoal chegam a reduzir o turnover em 50%" (Crédito: Divulgação)

Por Jorge Sant’Anna

A série “Band of Brothers”, da HBO, criada e produzida por Tom Hanks e Steven Spielberg, lançada em 2001, acaba de ser relançada. A produção retrata a trajetória da Easy Company, grupo de elite da infantaria de paraquedistas dos EUA, do treinamento até os combates na histórica invasão da Europa.

Cada episódio descortina lições de liderança baseadas em exemplos e colaboração genuína, nos cenários mais terríveis da história moderna. Logo fica claro que a competividade individual nada vale se as reais competências não estiverem a serviço da colaboração e da coletividade. O preço da individualidade, neste cenário, pode ser a morte.

Por muito tempo o espírito competitivo no trabalho era visto como antítese à colaboração, como nos programas de remuneração variável baseados na performance individual. Por vezes, eles distinguiam os talentos de alto potencial dos demais, criando castas de funcionários infelizes e times incapazes de colaborar e de aceitar a diversidade de competências e talentos.

Pesquisas sobre colaboração no trabalho mostram que empresas que promovem a colaboração interpessoal chegam a reduzir o turnover em 50%. A colaboração eleva em 17% o índice de satisfação dos funcionários. Por outro lado, 86% dos líderes indicam a falta de colaboração da força de trabalho como principal causa de falhas e erros operacionais. Em ambientes de alta performance e dependentes de inovação, a incapacidade de manter relações colaborativas leva a falhas, caos organizacional, processos lentos e confusos.

Empresas que promovem a colaboração interpessoal chegam a reduzir o turnover em 50%. Por outro lado, 86% dos líderes indicam a falta de colaboração da força de trabalho como principal causa de falhas e erros operacionais

Qual a raiz da incapacidade de criar relações realmente colaborativas nas empresas? Possivelmente, nossa antiga mentalidade de caçadores-coletores, sempre suspeitando que, se alguém obtém mais recursos, nós vamos obter menos, o que é um obstáculo à confiança mútua, componente basilar da real colaboração. Essa mentalidade foi predominante e exaustivamente incentivada nos baby boomers e, em alguma medida, na geração X, formando assim o molde da gestão atual.

A colaboração entre humanos está na base da sobrevivência da espécie. Entre as teorias que explicam o crescimento e o desenvolvimento do cérebro humano de nossos antepassados, uma das mais aceitas foi proposta em The Social Brain Hypothesis de Robin Dunbar. Segundo ele, nossos antepassados resolveram problemas como escassez de comida, necessidade de enfrentar predadores mais fortes e intempéries naturais formando grupos sociais. Em grupo, com habilidades diferentes, se protegiam e alimentavam melhor, o que exigia desenvolver competências emocionais fundamentais nos agrupamentos sociais, sobretudo confiança. A prática de habilidades sociais acelerou as capacidades cerebrais, num mundo em que a não-colaboração levava à extinção.

Cada elemento de uma equipe precisa colocar seu espírito competitivo a serviço do bem e sobrevivência coletiva, mais como numa banda de jazz do que numa banda de rock, em que todos buscam superação, mas cada um com seu momento de protagonismo.

Esse modelo se torna mais importante em momentos de transformação e de restruturação. Infelizmente, na maioria dos casos, é exatamente aí que os líderes assumem a posição atávica de caçadores-coletores.

Como andam os níveis de colaboração em nossas organizações?

Jorge Sant’Anna é diretor-presidente e cofundador da BMG Seguros e membro do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Bancos