Nada faz sentido
Por Norberto Zaiet
Há alguns dias recebi, repassada por um amigo, uma mensagem de WhatsApp que buscava resumir a situação atual dos mercados. Ela dizia: “1. Mercado de ações cai como se uma recessão estivesse a caminho; 2. Preço do petróleo sobe como se não houvesse recessão à vista; 3. Taxas de juros sobem como se a inflação estivesse caminhando para 10%; 4. Ouro cai como se não houvesse inflação; 5. Imóveis residenciais sobem como se as taxas de juros estivessem caindo; 6. Imóveis comerciais caem como se fosse 2008. Nada faz sentido”.
Muita gente está se perguntando para que lado vai o mercado, e a pergunta é bastante pertinente. O estado de coisas descrito acima, apesar de um pouco carregado no drama, é um equilíbrio frágil que tende a não se manter. Para onde vai não sabemos, mas sabemos que onde está não fica.
A curva de juros americana, invertida já há muitos meses, começou a mudar de patamar em julho e o movimento se acelerou de maneira importante nas duas últimas semanas. Jerome Powell, quando perguntado sobre o tema na conferência que ocorre depois de todas as reuniões do Fomc (Federal Open Market Committee, do Fed), respondeu: “A explicação não está nas expectativas de inflação, mas em outras coisas”. Vendo a cara da jornalista, claramente não satisfeita com a resposta, completou: “Não é por causa da inflação, é provavelmente pelo crescimento mais forte e pela oferta de Treasuries”.
Powell encontrou uma maneira delicada de explicar, corretamente, que o problema da curva longa de juros é o crescente déficit fiscal americano refletido no aumento da oferta de papéis do tesouro para financiá-lo. E como esse problema não vai ser resolvido a curto prazo, essas taxas vieram para ficar. Como essa mudança aconteceu num espaço de tempo muito curto, as variáveis ainda não se adaptaram e cria-se, então, esta impressão de que não existe uma lógica. Entretanto, cedo ou tarde, tudo começará a fazer sentido.
O mercado de ações vai voltando, aos poucos, a ser tratado caso a caso, de forma específica, em vez de ser embalado por uma taxa de juros inexistente que dava a impressão de que tudo tinha valor, até o que não tinha. O preço do petróleo vai subir e cair por desbalanceamento de oferta e demanda num movimento controlado pelos países produtores, como sempre. As taxas de juros ficam altas não por causa da inflação, mas porque o preço de financiar um déficit crescente é alto, como infelizmente qualquer brasileiro sabe. O ouro, bem, esse eu deixo para quem entende do assunto.
Quanto aos imóveis, a história fica bem interessante. O alto patamar do preço dos imóveis residenciais nos EUA vem se sustentando porque, de fato, existem poucos imóveis à venda e o mercado de crédito está completamente paralisado pelas taxas de juros. The Wall Street Journal traz uma reportagem revelando que a geração atual considera a compra de um imóvel, nas grandes cidades, algo inalcançável. Os preços são impraticáveis e os millennials parecem ter desistido do sonho da casa própria, se é que um dia o tiveram. Some-se que prédios inteiros de escritórios provavelmente serão convertidos em apartamentos residenciais, e as condições ficam bastante propícias para uma correção dos preços. Durante a crise de 2008, meu chefe em Londres dizia, sabiamente: “Se o mercado está parado é porque os agentes não querem aceitar o clearing price do ativo. Uma hora, vão ser forçados a aceitar”.
Diz o ditado popular que “você não pode manter o seu bolo e comê-lo ao mesmo tempo”. Uma vez que é comido, ele acaba. Por enquanto parece que estamos comendo o bolo sem que ele termine. Entretanto, taxas de juros são implacáveis: uma hora o bolo acaba. A conferir.
Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York