O temor com a manobra dos precatórios
Por Carlos José Marques
Hoje agentes de mercado, economistas em geral e até mesmo técnicos do próprio governo estão debruçados e temendo as consequências da mais tenebrosa herança legada pela desastrosa gestão Bolsonaro. O rombo dos precatórios, que alguns estimam em mais de R$ 200 bilhões e que está levando o time do ministro Haddad a buscar piruetas inevitáveis para rolar ao menos R$ 95 bilhões desse papagaio, é aquela conta que não fecha e prejudica todo um organograma orçamentário, cada dia mais difícil de cumprir. Jair Messias Bolsonaro quis fazer a festa lá atrás para comprar votos. Não mediu esforços, muito menos dinheiro público para tal. Com base em uma PEC marota, articulada junto ao Congresso, montou um calote que agora tem de ser honrado. Qual a história por trás desse buraco aberto? Ela pode ser resumida no surrado estratagema da contabilidade criativa que — em outros tempos e circunstâncias — apeou a ex-presidente Dilma do poder. Na era do capitão, a gastança descontrolada foi autorizada com o beneplácito direto do próprio Congresso, rendido aos apelos do “mito”, que em troca entregou aos parlamentares mais espaço no dinheiro do Estado, via emendas eleitoreiras. A PEC que foi colocada em vigor prevê um limite anual para a quitação desses papéis, independentemente do que foi contraído, e o pagamento excedente pode ser rolado anos adiante (até 2027), acrescido de juros e correção monetária. Resultado: virou uma bola de neve e o ex-mandatário não se furtou de usar e abusar da emissão de novas e volumosas dívidas por intermédio desse recurso.
Irresponsabilidade na veia. As ordens de pagamento em questão precisam, obrigatoriamente, ser honradas pelos entes públicos e o estoque delas alcançou níveis realmente indecentes com a libertinagem passada. Pagar o que se deve e desmontar a bomba-relógio armada não é tarefa simples. O governo Lula apelou ao Supremo e à AGU sustentando que a emenda da famigerada PEC bolsonarista era inconstitucional. Com a derrubada do tal dispositivo, almeja quitar o que deve por meio de crédito extraordinário. Além disso, apela para que os tribunais considerem os juros do encargo como despesas financeiras, sendo assim separados do principal e sujeitos a outros critérios que não a da rubrica de gastos primários. Em suma, é a emenda saindo pior que o soneto. Os articuladores da ideia estão, na prática, dobrando a aposta no erro. Nesse rocambole financeiro tentam atender a meta fixa do ministro Haddad de entregar em 2024 o déficit zero. São meras artimanhas contábeis. O compromisso não evapora, segue real. Por enquanto, a AGU determinou a suspensão do uso de precatórios como “moeda” para pagar outorgas, que são débitos inscritos na dívida ativa e na compra de imóveis da União. A Advocacia-Geral também se comprometeu a defender a inconstitucionalidade do dispositivo já conhecido como PEC do Calote. O ministro Haddad diz que o objetivo maior em toda a pendenga é não deixar dívida de precatórios para as administrações futuras. De fato, o exemplo péssimo deixado pela temporada bolsonarista não deveria nunca mais voltar a se repetir.