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Congresso dá mostras (fartas) de seu medievalismo

Câmara e Senado são conceitualmente bondes fisiológicos — piorados desde os reinados I e II de Lula ­— e travam a economia

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Edson Rossi: "Cada vez que um deputado brasileiro pronuncia a palavra ‘povo’ uma fadinha morre" (Crédito: Divulgação)

Por Edson Rossi

Falar de nosso Congresso é falar de quem somos. Média, mediana e modal da Nação. Dói. É lamentável. Humilha. E envergonha. Porque é nosso espelho, e como todo espelho pode até ser nosso avesso, mas nos retrata. Assim, não dá para tratar do tema sem trazer como matriz um hábito indefectível: pessoas de todos os perfis que afirmam não gostar de política. Aliás, a frase é bem comum em gente estudada. A população que vive em ‘área de rodízio’ (para usar uma expressão que faz sentido a paulistanos). A frase é igualmente comum entre os de nós que ‘não estamos em situação de insegurança alimentar’ (para usar uma expressão que faz sentido a todos os brasileiros). Sempre que ouço “não gosto de política” penso em algo como “eu não gosto de ar”. O que muda gostar ou não de ar a quem respira? Matracar que não gosta de política é ignorar que a frase em si já é ação política. Talvez a pessoa queira dizer que não gosta de política partidária. O que igualmente nada muda. Seja a Política (que usarei com inicial maiúscula) ou a política partidária, dela estamos inescapáveis. Ainda mais num lugar que nos obriga a votar — não há nada mais totalitário e antiliberal que voto obrigatório.

É por esse motivo que a deformidade incontornável brasileira (e deste projeto de Nação) passa por outra forma de sistema político. Desde a estabilização da moeda, com o Plano Real, há três décadas, nossa economia não ganha tração porque o fisiologismo congressual se alimenta e se estrutura no toma-lá-dá-cá. Com FHC I e II. Lula I e II. Dilma 1,5. Temer. JB. Os ritos e processos carregam os vícios da Constituição Cidadã que, em sua voracidade por apagar as duas décadas e meia de ditadura, criou ilhas do aqui-tudo-pode e desigualdade. Entre as maiores excrecências está juiz que vende sentença ser ‘punido’ com aposentadoria compulsória. Outra: o vergonhoso derramamento de grana no universo paralelo dos militares, aquela instituição acima de qualquer suspeita (toda pesquisa diz isso) que aparentemente flerta com golpismo. Outra: a contradição ao Artigo 5º, a patacoada do “todos são iguais perante a lei” — peça ficcional que não existe na hora de ter escola, na hora de ter acesso à saúde, ou na hora da aposentadoria, nem vale quando alguém é pego com droga e a decisão da ‘autoridade’ sobre ser porte ou tráfico está na cor da pele. Et al. Et al. Et al.

Pois nosso realismo fantástico trouxe mais um exemplo na terça-feira (10). O deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) ocupou a tribuna de seu ambiente de trabalho para discursar. Distribuía frases da profundidade de “Lula governa para o povo e não fica com bravatas como essa turma do Bolsonaro”. Cada vez que um deputado brasileiro pronuncia a palavra ‘povo’ uma fadinha morre. Farias era escutado por absolutamente zero pessoas, menos uma: a também deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). A belicosa acreditou que seria o caso de responder e subiu à tribuna. “Esse pessoal da esquerda não tem coragem de falar e ficar no plenário, né? Fala e sai correndo. É um homem que não consegue honrar nem o que tem no meio das pernas.” Depois da demonstração de chulismo primitivo, ela e ele continuaram a treta. Poderia ser apenas bate-boca entre dois ignorantes — em meio a outros 511 colegas não seria difícil achar vários. Mas não. Zambelli teve quase 1 milhão de votos e foi a segunda mais votada em São Paulo. Farias não fica muito atrás. Com 152 mil votos, foi o oitavo mais votado no Rio de Janeiro. Representam a democracia dos dois estados mais ricos do País. São a nossa elite política.

A cena não é episódio esporádico. Apesar de ser tratada como factoide menor pela mídia, que precisa se ocupar de temas mais graves, ela resume, simboliza e dá significado ao que é nosso Congresso. Não só a Câmara. O Senado com seus trens da alegria e corporativismo federativo não fica nem um milímetro atrás, ou à frente. A cena é um recado para Lula. Há pouco mais de 200 dias, o soberano afirmou suas predileções. “Prefiro um político competente a um técnico.” Seria o caso de Lula indicar uns punhados aí. Farias e Zambelli? A mim eles são a representação suprema de nossos parlamentares: fora exceções, seis centenas de personas que mamam orçamentos discutíveis, destroçam qualquer Arcabouço, dinamitam Reforma Tributária e que nem de perto farão a Reforma Administrativa. Enquanto Lula não aprender que o Brasil precisa de técnicos competentes e menos desses políticos estaremos neste cispresidencialismo (ou transparlamentarismo) que trava a economia. Aqui, tristeza não tem fim. Felicidade, sim.