O objetivo da sustentabilidade é olhar para as pessoas
Por Raphael Vicente
O desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades. Apresentado no relatório Nosso Futuro, liderada por Gro Brundtland, na ONU, na década de oitenta, o conceito de Desenvolvimento Sustentável foi uma mudança radical.
Na época a premissa dominante era o da primazia do acionista, estabelecida por Milton Friedman, e que, aliás, exerce forte influência no mundo dos negócios até hoje. Em resumo, a única responsabilidade de uma companhia seria a de produzir lucros para seus acionistas, o que obviamente dificultava muito a discussão de qualquer outra agenda nas empresas que não estivesse relacionada a produzir resultado direto aos acionistas (O negócio do negócio é o negócio). Esse estágio é chamado de capitalismo de shareholder, tendo como a maximização do lucro de curto prazo seu maior bem.
A partir dos anos 90, tem início o chamado capitalismo de stakeholder, em que todas as partes interessadas são igualmente importantes, tendo como principal característica a sociedade e o aumento do bem-estar das pessoas no planeta, como foco na criação de valor de longo prazo, facilitando, assim, o caminho para outras agendas que não só o resultado ao acionista.
Na década seguinte, o autor britânico John Elkington elaborou uma visão baseada na análise do impacto social, ambiental e econômico de uma organização, a qual recebeu o nome de Triple Bottom Line (TBL), ou “tripé da sustentabilidade”. Esse conceito orientou a implementação da sustentabilidade corporativa desde então. Mas, já naquela época, o próprio Elkington manifestou sua preocupação com a forma excessivamente utilitarista que o sistema vinha sendo compreendido por muitas organizações, muitas vezes como uma mera ferramenta de custo-benefício e prestação de contas.
Michael Porter ao publicar Estratégia e Sociedade, escrito a quatro mãos com Mark Kramer e publicado na edição de dezembro de 2006 da Harvard Business Review, definiu que conciliar interesse social com o dos negócios era o novo diferencial competitivo.
O problema é que, em regra, a ideia de sustentabilidade é excessivamente genérica, reativa e fragmentada, muitas vezes resultado de ações dissociadas da estratégia da empresa e por essa razão nem produz impacto social relevante nem reforça a competitividade da corporação no longo prazo.
Basta olhar para o atual ESG (Environmental, Social, Governance), um recorte do mundo financeiro dentro do tema sustentabilidade. Quando se trata do Social, ainda há profunda ausência de ações de impacto, padronização, mensuração e resultado, porém, muito marketing, prêmios e certificações. O racismo e a discriminação, por exemplo, são questões fundamentais no Brasil, bem como o acesso à casa própria e moradia digna, o excessivo tempo de deslocamento do trabalhador para o seu local de trabalho, mas, entretanto, esses temas pouco frequentam a agenda do “S” das empresas.
Uma vez tratada como elemento estratégico, definido a partir dos mesmos parâmetros que orientam as principais decisões empresariais, a sustentabilidade pode ser uma fonte de oportunidades, inovação e vantagem competitiva.
O mundo empresarial precisa abandonar a lógica utilitarista, como um mero relatório de custo-benefício e prestação de contas, implementando transversalmente princípios sustentáveis na tomada de decisões, sendo que essa sustentabilidade precisa, no mínimo, buscar mitigar os impactos ou reproduções internas das grandes questões brasileiras como, por exemplo, a discriminação. A sustentabilidade não tem como finalidade primeira a governança ou o crédito de carbono, mas as gerações futuras, ou seja, as pessoas, as quais, por vezes, são deixadas de lado.
Raphael Vicente é Diretor-Geral da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial. Advogado, Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Professor e diretor- Geral da Universidade Zumbi dos Palmares