Por menos desigualdades de gêneros: o Prêmio Nobel de Economia de 2023

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Vitoria Saddi: "Possivelmente o achado mais contraintuitivo da pesquisa de Goldin foi o fato de que a participação feminina no volume de emprego formal não aumentou de modo crescente ao longo do tempo ou em linha com o crescimento econômico (...)" (Crédito: Divulgação)

Por Vitoria Saddi

O fato que mulheres ganham menos do que homens é sabido em todos os círculos. Também é quase senso comum que o desenvolvimento (e o crescimento) econômico tende a reduzir tal gap. No entanto, a trajetória para erradicar tal diferença não é um caminho suave. Tampouco óbvio. O Nobel de 2023 para a americana Claudia Goldin procura prestar justa homenagem à pessoa que mais contribuiu com os estudos de desigualdade de rendas e de oportunidades. Goldin se tornou a terceira mulher a ganhar o prêmio, atrás de Elinor Ostrom, em 2009, e Esther Duflo, em 2019.

Possivelmente o achado mais contraintuitivo da pesquisa de Goldin foi o fato de que a participação feminina no volume de emprego formal não aumentou de modo crescente ao longo do tempo ou em linha com o crescimento econômico, mas formou a chamada curva em forma de U. Ao final do século 19, segundo a autora, mais de 60% das mulheres casadas trabalhavam. No entanto, os censos da época (1890) não reportavam dessa forma pois a ocupação primordial delas era a de ‘dona de casa’. Tal proporção cai no século 20, quando a industrialização emerge e ganha terreno, dificultando a conciliação do trabalho em fábricas com o doméstico. Goldin explica que nos EUA havia inclusive legislação específica que impedia que mulheres permanecessem como professoras após o casamento, por exemplo. Outro ponto, segundo Goldin, foi a discriminação de salários das mulheres, que aumentou no início do século 20. Isso porque os empregadores abandonaram o contrato por trabalho efetuado em favor de estruturas salariais mensais, que premiava longas horas no emprego.

A curva em U ilustra os últimos 200 anos da participação feminina na força de trabalho e evidencia que apesar do brutal crescimento econômico do período não havia uma correlação consistente ou significativa entre a participação das mulheres no mercado de trabalho e crescimento econômico. Essas informações permitem mapear e compreender melhor a posição das mulheres no mercado de trabalho em nível internacional. É preciso políticas específicas para eliminar a desigualdade salarial de gêneros visto que o mero crescimento econômico não irá contribuir para aplacar tais diferenças.

É nisso que Goldin é decisiva. Antes de seus estudos, pensava-se amplamente que o aumento da proporção de mulheres empregadas ao longo do século 20 era reflexo do crescimento econômico — crescimento mais elevado significaria mais mulheres empregadas. Mas, analisando cuidadosamente registros históricos antigos, ela mostrou que a proporção de mulheres casadas e efetivamente obtendo renda do trabalho (por exemplo, na agricultura ou na indústria têxtil) era pelo menos tão elevada no final do século 18, quando as taxas de crescimento econômico eram muito mais baixas, como as de hoje.

Sobre a desigualdade de gênero nos salários, ela foi cirúrgica. Não houve relação linear com o desenvolvimento econômico. A defasagem era menor durante a Revolução Industrial (1820-50) pois a demanda por trabalhos de escritório aumentou. Tal disparidade mudou pouco entre 1930 e 1980, quando passou a existir um prêmio por funcionários que não abandonassem seus ofícios nos escritórios. Ou seja, a desigualdade salarial de gêneros é explicada em grande parte por situações em que a mulher sai da força de trabalho para criar os filhos. Não se trata de qualidade na formação: durante o século 20 houve significativo aumento dos níveis de educação das mulheres, ultrapassando os dos homens nos países desenvolvidos.

Em outro trabalho, Goldin mostrou que o acesso a pílula anticoncepcional ofereceu maior possibilidade para um planejamento da vida e da carreira da mulher. Mesmo assim, a maternidade ainda tem o poder de acentuar o ‘gender gap’ e dificultar a ascensão profissional das mães. O prêmio é um reconhecimento da desigualdade de gêneros e um primeiro passo para reduzi-la. O mercado sozinho não conseguiu sanear tais ineficiências. Precisou, incluvise, impor algum tipo de cotas para que as mulheres estivessem presentes em áreas majoritariamente masculinas, como nas carreiras militares e espacial. Por tudo isso Claudia Goldin é decisiva. E obrigatória.

Vitoria Saddi, PhD em economia pela University of Southern California, é estrategista a SM Futures. Atuou como economista-chefe da Roudini Global, do Citibank, da Gueluz Asset e do Salomon Brothers