A simplicidade vem depois de muito esforço
Por Luís Guedes
Embora o pensamento filosófico não seja comumente utilizado na nossa cultura de trabalho, a “mãe de todas as ciências” pode oferecer apoio intelectual a um sem-número de empreendimentos humanos.
Tomemos o exercício da lógica, por exemplo. Essa disciplina é um instrumento incrivelmente útil de apoio à tomada de decisão, em que pesem os seus limites (sobre esse tema, sugiro ao atento leitor, à informada leitora, que leiam O erro de Descartes, de Antonio Damásio). Como a lógica é elegantemente atemporal, há um modelo analítico concebido no século 19 que pode ajudar os tomadores de decisão nesse conturbado início do século 21. O frade Franciscano William de Ockham concebeu uma tese que, muito depois dele, ficou conhecida como Navalha de Occam.
De modo resumido, o modelo sugere que a explicação mais simples e direta para um problema deve ser preferida sobre aquela mais rebuscada e complexa. A que tem menos suposições deve ser preferida (pluralitas non est ponenda sine necessitate ou “a pluralidade não deve ser postulada sem necessidade”).
Até aqui tudo vai bem, gostamos de simplicidade. Mas ocorre que quase tudo a nossa volta é mais complexo do que parece, inclusive o modelo de Ockham. Seguido à risca, podemos incorrer no erro de simplificar excessivamente uma situação que eventualmente é complexa.
É fundamental verificar se as explicações diferentes são igualmente convincentes, eficazes e prováveis. Como exemplo extremo disto, os proponentes da hipótese da Terra plana se baseiam na aparente simplicidade em relação ao elipsóide (de formato irregular) que representa a forma do nosso planeta de acordo com a ciência — mas o conceito de uma Terra plana é cientificamente absurdo e nada provável. Quando a explicação mais complexa se adapta melhor aos fatos, fiquemos com ela — a Navalha de Occam é um modelo, não um imperativo.
“O frade Franciscano William de Ockham concebeu uma tese que, muito depois dele, ficou conhecida como Navalha de Occam. O modelo sugere que explicação mais simples e direta para um problema deve ser preferida sobre aquela mais rebuscada e complexa”
Extrapolando para o ambiente das organizações, quando nos deparamos com uma situação complexa, antes de abraçar a solução mais simples, comecemos pela necessidade de apuração dos fatos, consulta a múltiplas e informadas fontes, ideias e perspectivas (consultores, especialistas da academia, parceiros, clientes). Se sua rede for boa, coletivamente possui o conhecimento e o poder de processamento de que você precisa.
Os experimentos também podem ser instrumentos incrivelmente úteis. Algumas complexidades, diga-se, somente se conseguem ver quando produtos, soluções, apresentações, veem a luz do dia. Nesse campo, o design thinking é a ferramenta conceitual que você deve conhecer e utilizar. Comece simples, a partir de um protótipo, e dê aos potenciais clientes a oportunidade de conhecer na prática a tese do seu produto.
A partir do feedback e da observação atenta, a complexidade necessária é adicionada, até que um produto minimamente viável seja concebido e, a partir dele, desenvolvida uma solução robusta.
Outra forma de aplicar o princípio da Navalha de Occam é ser inclemente ao editar seu trabalho. Cada elemento de design deve ser avaliado quanto à sua eficácia e editado em benefício de uma solução equivalente, porém mais simples. Einstein, sobre isso: sejamos simples, mas não simplórios. Gênio.
Luís Guedes é professor da FIA Business School