Coluna

Argentina: reversão de expectativa na Política Econômica?

O que estará em jogo no segundo turno das eleições presidenciais

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Vitoria Saddi: "Nosso principal argumento é que importa menos o nome do próximo presidente da Argentina e mais as suas intenções quanto aos rumos da política econômica" (Crédito: Divulgação)

Por Vitoria Saddi*

O recente resultado do primeiro turno das eleições presidenciais na Argentina acirrou os ânimos aqui no Brasil. Em algumas rodas, as pessoas comentavam que Javier Milei irá perder ao passar para o segundo turno, de modo análogo ao ocorrido no embate do ano passado entre Bolsonaro e Lula. Em outras reportagens, argumentava-se que a vitória do ministro da economia Sergio Massa reflete o fato de que a população argentina está votando na continuidade dos gastos públicos e no peronismo. Este artigo está longe de analisar a política argentina e quem irá ganhar a presidência dia 19 de novembro, o segundo turno. Nosso principal argumento é que importa menos o nome do próximo presidente da Argentina e mais as suas intenções quanto aos rumos da política econômica.

A história das políticas públicas contém diversos episódios onde reformas estruturais e mudanças na política econômica foram implementadas por partidos políticos ou ministros cuja posição tradicional era veementemente a de oposição a tais políticas. Em resumo, gente que pensava e dizia uma coisa e na hora de agir fazia outra. Nos EUA, foi um presidente da direita americana (Richard Nixon), sabidamente contrário ao comunismo, o responsável pela aproximação do país com a China. No Brasil, no início dos anos 90, foi Fernando Collor de Mello que promoveu o maior confisco da poupança já visto no País. Tal confisco ocorreu apesar de reiteradas (e falsas) promessas de que não faria qualquer tipo de ‘agressão’ contra as contas bancárias da população. A França, durante os anos 80, privatizou parte de seu setor público sob a gestão socialista de François Miterrand. O primeiro mandato de Lula em 2003 também evidenciou um presidente austero e preocupado com o equilíbrio orçamentário e preservação do sistema de metas de inflação, o oposto do que defendia na campanha.

Intrigados com casos desse tipo, Alex Cukierman e Mariano Tommasi desenvolveram um modelo teórico que permite entendimento mais claro das condições que podem levar a tal reversão de políticas. Os autores explicam que o eleitorado (de um lado) e os políticos (do outro) possuem informações distintas sobre os efeitos de tais políticas. Para os dois autores, políticos tendem a ser mais bem informados do que o eleitorado, apesar da existência de incerteza quanto aos resultados das políticas que adotarem. Os autores ressaltam que num determinado momento, mudanças nas circunstâncias podem, por exemplo, tornar claramente desejável uma política percebida pelo eleitorado como “de direita”. Para adotá-la, contudo, o partido que detém o poder tem de angariar apoio. Isso exige transmitir ao eleitorado a convicção de que tal política se tornou imperativa para a conquista da estabilidade econômica. Os autores argumentam que, em muitos casos, é mais fácil para um partido de esquerda convencer o eleitorado de tal necessidade do que o de direita.

O trabalho de Cukierman e Tommasi revela que em situações de crise econômica grave, como é o atual caso da Argentina, espera-se tudo, menos continuidade da política econômica. Nesse sentido, o candidato mais radical, Milei, talvez não seja eleito devido a tal extremismo. E nada garante que o governista e peronista Massa irá seguir com a atual estratégia que envolve elevado volume de subsídios, inflação crescente e alta do dólar. Se aplicarmos o argumento dos dois autores citados para a situação da Argentina é possível afirmar que potencial reversão de política econômica no país pode surgir do candidato mais ao centro — Massa. Numa eventual presidência deste último será preciso conquistar credibilidade e, sobretudo, estabelecer uma distinção do novo presidente com a situação anterior (e atual) de ministro da Economia de um país falido. Em contraste, numa eventual presidência Milei, esperamos poucas mudanças da situação atual. Isso porque Milei tem baixo (ou nenhum) apoio no Congresso e sua equipe econômica ainda é pouco conhecida. As reversões de política econômica ocorrem nos casos onde menos se espera. Paradoxalmente, um governo Massa pode implicar uma grande mudança de política, enquanto Milei poderá implicar em continuidade, mais do mesmo.

*Estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. Também foi professora na California State University, na University of Southern California e no Insper. É PhD em economia pela University of Southern California.