Internacional

Por una cabeza (e meia)

Desempenho do ministro da Economia Sergio Massa no primeiro turno da eleição presidencial da Argentina surpreende, mas dúvidas sobre rumos do país persistem

Crédito: Juan Mabromata

Massa comemora a boa vantagem no primeiro turno sobre o até então favorito Milei (Crédito: Juan Mabromata)

Por Isaac de Oliveira

Um dos mais dramáticos tangos de Carlos Gardel, Por una Cabeza retrata a triste surpresa de um inveterado apostador de turfe com a derrota do cavalo em que apostara — uma perda sofrida com a mesma dor de uma desilusão amorosa. Assim como ocorre na arte, a política argentina é uma surpresa constante.

Prova disso foi o resultado do primeiro turno da eleição presidencial argentina no domingo (22), com a reviravolta do atual ministro da Economia, Sergio Massa, obtendo 36,7% dos votos. Sua vantagem na linha de chegada desbancou com certa folga o candidato de direita Javier Milei (30%).

Até então favorito nas primárias e em boa parte das pesquisas de intenção de voto, Milei não esperava iniciar a campanha para o segundo turno atrás de Massa. O desempenho do candidato da situação, tido como alternativa mais moderada, não arrefeceu as dúvidas sobre qual será o caminho escolhido para tirar a Argentina da crise que derreteu a moeda local e levou a inflação a 138% anuais.

Na quarta-feira (25), a terceira colocada, Patricia Bullrich, declarou apoio a Milei. Ela teve quase 6,3 milhões (23,8%) de votos. A adesão da candidata derrotada à campanha de Milei embaralha a disputa final, no dia 19 de novembro, e inviabiliza prever quem ganhará a eleição. Porém, uma coisa é certa. O vencedor terá missão quase impossível pela frente.

Fora do páreo, a candidata Bullrich declarou apoio ao segundo colocado. Caso os eleitores de ambos se unam na oposição ao atual ministro da Economia, pode haver uma nova revitravolta no pleito do dia 19 de novembro (Crédito:Tomas Cuesta)
(Luis Robayo)

Como ministro da Economia do governo Alberto Fernández, Massa carrega o fardo do agravamento da crise, com descontrole inflacionário e monetário, em sua gestão iniciada em julho de 2022.

Especialistas avaliam que ele se beneficiou mais do tom adotado pela campanha do seu principal adversário do que de seus próprios méritos. Para o professor de Economia Internacional do Insper, Roberto Dumas, “Milei extrapolou na liturgia como candidato.” O ultraliberal chegou a chamar o peso argentino de “excremento”. As duras críticas à moeda foram vistas como catalisadores da busca desenfreada por dólares no mercado paralelo.

Embora as propostas de Milei tenham causado espanto, algumas já estavam precificadas, caso da dolarização total da economia e do fechamento do Banco Central. “O problema foi quando Milei começou a falar mal do Papa Francisco, da parceria com a China, que não queria mais dar subsídios para educação, saúde, e a usar termos inadequados”, afirmou Dumas.

Em meio às bravatas de campanha, o que parece faltar aos dois candidatos que disputarão o segundo turno é clareza em relação aos desafios econômicos que se arrastam há décadas na Argentina.

Diversos indicadores macroeconômicos evidenciam a profundidade da crise, que gera significativos impactos sociais no país. Inflação de 138% em 12 meses, juros básicos a 118%, dólar paralelo batendo 1 mil pesos, 40% da população na pobreza. Massa, se vitorioso, terá de adotar soluções que não conseguiu executar desde que assumiu o ministério da Economia.

Carolina Moehlecke, professora da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas, afirmou não ver nenhum cenário em que o gasto vai ser colocado sob controle no curto prazo. “Em termos de inflação e câmbio, talvez o dólar caia um pouco por causa da redução de percepção de risco. Mas vejo poucos impactos na inflação, porque depende de cortes de gastos”, afirmou Moehlecke.

Tende a piorar

Massa vem empunhando bandeiras de ajuste fiscal, redução do déficit, aumento de exportações. Mas técnicos criticam seu programa por não ser claro ao informar como esses fins serão alcançados. “A economia argentina ainda tende a piorar primeiro para melhorar depois”, disse Dumas, do Insper.

“Pode aumentar a taxa de juros, depreciar o câmbio, mas não vai resolver o problema em 2024.” Até porque o drama argentino não se limita à alta taxa de inflação e nem ao peso desvalorizado.

É praticamente impossível parar de emitir moeda e reduzir a dívida pública sem mexer nos subsídios criados para mitigar o aumento da pobreza na população. Outro ponto crítico é como negociar redução de salários sem perder apoio das organizações sindicais.

No campo da competitividade Massa propõe priorizar os projetos que geram aumento nas exportações e substituam as importações. Segundo Moehlecke, da FGV, para que essa medida avance, ele deverá forçar a depreciação do câmbio, com vistas a atrair dólares para o país, uma vez que as reservas estão em situação crítica.

Dumas, por outro lado, lembra que mesmo essa solução pode não dar resultados. Isso porque parte da atividade exportadora depende da importação de insumos. O desafio será o equilíbrio. Há ainda outro entrave: elevar o PIB. Como incentivar investimentos no aumento da produção quando a taxa de juros está em 118% ao ano?

Ainda que vença as eleições, Massa precisará ser hábil na costura de apoio político. “A Argentina tem grupos de interesses muito organizados, dentro dos sindicatos, na sociedade civil em geral”, disse Moehlecke.

E antes de colocar em prática qualquer plano de socorro a partir de 2024, o peronista precisa vencer novamente Milei, o que ainda não está garantido. A Atlas Intel, que previu vitória de Massa no primeiro turno, afirmou que a tendência hoje é de uma vitória de Javier Milei. Ainda que por uma cabeça de vantagem.