Em momento único da história, EUA debelam a recessão; entenda
Crescimento de 4,9% do PIB dos EUA no terceiro trimestre (taxa igual à da China no mesmo período) surpreende positivamente, mata a ‘retração que não houve’ e afasta temor de crise na maior economia do mundo
Por Jaqueline Mendes
Divida 2023 em duas partes: expectativa e realidade. No lado da expectativa, o mundo começou o ano com medo do agravamento da guerra na Ucrânia, de desaceleração econômica na China (causada pela crise imobiliária) e, principalmente, de recessão nos Estados Unidos. No campo da realidade, já na reta final do ciclo, pode-se afirmar que tudo isso não passou de palpite. Palpites errados.
A guerra de Vladimir Putin segue seu ritmo — ofuscada por outro conflito, entre Israel e Hamas —, a China acelerou 4,9% no terceiro trimestre e a maior economia do mundo, a americana, cresce a ritmo chinês. O Produto Interno Bruto (PIB) avançou a uma taxa anualizada de 4,9% no terceiro trimestre, maior alta desde o quarto trimestre de 2021, segundo o Departamento do Comércio.
O resultado ficou muito acima da taxa de menos de 2% que as autoridades do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) estimavam no começo do ano. Esse superaquecimento enterra, ao menos até a próxima crise global ameaçar o mundo, a tese de retração dos Estados Unidos e de contaminação da atividade econômica global.
O que chama a atenção no fenômeno americano é que a explosão de gastos de consumo das famílias e a demanda das empresas por reposição de estoques para atender a forte procura desafiam a política de alta dos juros promovida pelo Fed para conter a inflação, hoje em 3,7% (quase o dobro da meta de 2%).
A atual taxa de juros entre 5,25% e 5,50% ao ano, depois de 11 aumentos consecutivos, é a maior em 22 anos. Jerome Powell, presidente do Fed, admitiu recentemente que o momento é tão único que as previsões do banco têm um risco maior de não se concretizarem. “Não é simples e não podemos usar a história como referência”, afirmou.
Joe Biden, presidente dos EUA entendeu o recado de Powell, mas diz que o governo já esperava o reaquecimento uma vez que fortes políticas de estímulo à demanda interna dariam tração à atividade econômica.
E os dados do terceiro trimestre reforçaram isso. Agora, tanto o Fed quanto o governo esperam para o quarto trimestre alta entre 2,2% e 2,7% (em abril a previsão era 0,9%), mas ainda é difícil tatear os reflexos das duas guerras simultâneas que acontecem no mundo, o que exige cautela dos otimistas.
Dentro dos EUA, no entanto, o plano é manter o ritmo do consumo crescendo entre 2% e 3%, já que foi a alta de 4,9% o terceiro trimestre que acrescentou 2,69 pontos percentuais ao crescimento do PIB.
Esse respiro na economia também fortalece os planos de Powell para controlar a inflação. Em comunicado, ele voltou a sinalizar que a autoridade monetária está pronta para promover novas altas na taxa de juros, caso a demanda superaquecida resulte em pressão sobre a inflação.
“Não mediremos esforços para trazer a inflação para dentro da meta. O controle dos preços é fundamental para a estabilização do crescimento no médio prazo.”
Jerome Powell, presidente do Fed
Um dos motivos para a preocupação está associado ao fato de as famílias americanas terem conseguido preservar a poupança desde a pandemia. Isso aconteceu porque o aquecimento do mercado de trabalho (+3,7%) garantiu novas rendas aos cidadãos e a poupança passou a ser injetada na economia, estimulando a alta dos preços.
A combinação atingiu positivamente a produção de automóveis no terceiro trimestre, que subiu 2,1% com a reorganização das cadeias de abastecimento.
Segundo o economista Nelson Maroni, professor da FGV, mesmo com custos mais elevados de financiamento, o consumo de diversos produtos foi impulsionado por promoções que neutralizaram os juros mais altos. Um movimento que, se mantido, iguala os americanos aos gatos, que caem em pé.