Revista

Meta para inglês ver

Crédito: Cristiano Mariz

Carlos José Marques: "Suposto desentendimento inconciliável entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e Lula na verdade não aconteceu e o próprio Haddad tratou logo de desmentir" (Crédito: Cristiano Mariz)

Por Carlos José Marques

Foi um fuzuê dos grandes. Lula desacreditou a meta do déficit zero em 2024 e a banca financeira, em especial, não perdoou. Caiu matando. Sabiam todos, de antemão, que ela não seria cumprida. Estava ali mais como um alvo (aquele tipo de conquista louvável, tipo desejo dourado, tal qual a compra da primeira casa própria) para enquadrar e estimular todos os agentes rumo à disciplina fiscal. Não passava, sejamos francos, de uma espécie de ordem do dia para, quem sabe muito lá na frente, fosse consagrada como realidade. Dito isso, soa incompreensível — para não dizer, demasiadamente oportunista — a reação pública dos que reclamaram ferozmente do aviso do presidente, ensaiando um ar de surpresa com o que ele disse. Não é de hoje, um vasto elenco do mundo financista e de homens da produção torcem o nariz a qualquer mérito eventual da gestão do demiurgo Lula (até mesmo o recorde histórico de queda na taxa de desemprego, divulgada na mesma semana, passou em branco, porque resultado bom é para desconsiderar) e não poupam esforços para espinafrar potenciais erros de cálculo. Foi assim de novo. A tropa da chamada Faria Lima reclamou das incertezas no ar, falou de irresponsabilidade, da falta de compromisso, fez o diabo. E olha que o ajuste previsto no cálculo do orçamento pode variar milimétricos 0,25% a 0,5%. Diria o bardo inglês Willian Shakespeare: “é muito barulho por nada”. Não pela conta em dinheiro e sim pela esperteza embutida nos tais donos do capital que sabiam impossível zerar o déficit em tão pouco tempo — menos de um ano após a farra de gastos imorais do antecessor Bolsonaro com o seu famigerado “orçamento secreto” de distribuição de emendas bilionárias aos parlamentares para tentar se reeleger. Valeu o teatro. Tinham o argumento, o roteiro e tentaram encenar a tragicomédia. No script, para apimentar a peça, até um suposto desentendimento inconciliável entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o chefe. Algo que na verdade não aconteceu e o próprio Haddad tratou logo de desmentir. “O Lula está compromissado com nossos esforços para reduzir o déficit”, disse. O titular da pasta evitou apontar novas metas para evitar, justamente, que as especulações e críticas adicionais poluíssem o debate. Informou que pode antecipar para este ano medidas que estavam previstas para entrar em vigor apenas em 2024, mas não detalhou quais seriam elas. Entendeu e colocou em prática o princípio de que trabalhar em silêncio gera melhores resultados. Em 2023, o rombo pode girar na casa dos R$ 93 bilhões. O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), deputado Danilo Forte, demonstrou disposição em revisar a meta, que de mais a mais foi inicialmente desenhada para inglês ver. Seria impossível cumpri-la no exíguo prazo estabelecido de pouco mais de um ano da troca de governo. O que é importante se ter em mente: há sim um esforço em andamento pela disciplina. O mandatário tem se reunido com os congressistas para conter o apetite da turma — que parece insaciável — e em busca de caminhos para mais arrecadação. Falta ainda um maior esforço por cortes e a pretendida Reforma Administrativa viria em boa hora nesse sentido. De resto, foi apenas muita espuma.