Como a Reforma Tributária pode combater o contrabando
Nova legislação tributária deve contribuir no combate a crimes fiscais e evasão de divisas, diz estudo de entidade especializada em pirataria
Por Jaqueline Mendes
Estão dadas as condições ideais para o Brasil enfrentar um dos crimes que mais afetam nosso desenvolvimento: o contrabando. Dados do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP) mostram que, em 2022, o País perdeu R$ 410 bilhões entre evasão fiscal e prejuízos em 14 setores da indústria com o mercado ilegal. E a lógica para tamanha eficiência desse tipo de crime passa pelo mau uso do sistema tributário. A disparidade de tributos entre Brasil e Paraguai, por exemplo, é um dos atrativos para a atividade ilegal, por isso o fluxo entre os países é tão grande.
O cigarro falso, item mais apreendido pela Receita Federal, representa bem essa disparidade. Por aqui os impostos ficam entre 70% e 90%, no país vizinho a taxa média é de 13%.
Especialistas apontam que a vantagem econômica faz o crime crescer. É nesse contexto que entra na pauta da Reforma Tributária o mercado ilícito. Além da substituição de cinco impostos pelo modelo de IVA dual, a PEC 45/2019 prevê um Imposto Seletivo.
De acordo com o texto, ele incidirá sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente — o rol de produtos e as alíquotas ainda estão indefinidos, dependendo de uma lei complementar. A intenção dos congressistas é subir o preço dos produtos para diminuir o consumo.
Mas essa lógica, segundo especialistas, já se provou falha. Em agosto, durante seminário em Brasília, o senador Efraim Filho, relator do Grupo de Trabalho da reforma no Senado, se manifestou contra aumento de carga via Imposto Seletivo.
“Qual é o problema que tá posto? Se você majorar, quanto maior a diferença maior o atrativo pra contrabandear”, disse. “O grande problema é que você concorre contra quem sonega, contra quem não paga nada. E quanto mais essa margem aumenta, mais atrativo é comprar o ilegal.”
Outro agravante na questão é que, segundo o Ipec, consultoria especializada no mercado consumidor brasileiro, o crime organizado domina 41% do comércio ilegal de cigarros.
13%
é o imposto médio pago no cigarro no Paraguai. No brasil a alíquota varia entre 70% e 90%
57%
é a fatia do comércio ilegal de cigarros no mercado brasileiro até 2019,
em 2015 a participação era de 39%
Preço x consumo
Pery Shikida, professor da Unioeste, em parceria com Mário Margarido e Daniel Komesu, acompanhou a evolução desse segmento no estudo Elasticidades no Mercado Brasileiro de Cigarros. Segundo Shikida, o aumento de impostos, no período estudado, provocou diminuição de arrecadação.
“O imposto mais caro para cigarros foi responsável pela queda de 1,39% ao ano”, afirmou. “Apesar da maior incidência de tributos sobre os cigarros, que subiu 67% no período de janeiro de 2012 a setembro de 2021, a arrecadação registrou uma tendência de queda ano a ano a partir de 2014.”
Paralelamente houve “aumento da participação do mercado ilícito do produto no País, que cresceu, em média, 8,79% ao ano”. A lógica, de acordo com Shikida, é simples: aumento de preço não inibe consumo. Isso porque o consumidor tem à disposição o ilegal: mais barato e acessível. O que acontece, portanto, é uma migração.
Nos últimos 11 anos, os dados mostram que foram mais de R$ 94 bilhões de perdas em evasão fiscal. A participação do comércio ilegal de cigarros passou de 39% (em 2015) para 57% (2019).
O presidente do Fórum Nacional de Combate à Pirataria e à Ilegalidade, Edson Vismona, corrobora as conclusões de Shikida.
“O modelo tributário é uma ferramenta capaz de enfraquecer o contrabando, desde que não onere ainda mais os produtos brasileiros.”
Edson Vismona, do Fórum Nacional de Combate à Pirataria e à Ilegalidade
Ele diz que a mercadoria fabricada no Brasil e o produto importado legalmente não podem ter aumento de impostos. “Se aumentar, o contrabando se favorece imediatamente. O ilegal ganha competitividade e será muito mais favorável à sua venda.”
Segundo Vismona, é inegável que a luta passa pelo combate à oferta e demanda do cigarro ilícito, “e a oferta é enfrentada através da repressão, ao impedir a circulação de produtos ilegais”.
E acrescenta que o contrabando é dominado pelo crime organizado e milícias. “Por isso, não é inteligente que o combate seja feito unicamente pela repressão. Para diminuir a atratividade dos produtos ilegais a questão tributária é imprescindível.” No mundo moderno isso significa quebrar o crime sendo mais inteligente que ele.