Economia

Reforma tributária vai sair mais cara do que governo previa. Analistas comentam

Texto com as novas regras tributárias brasileiras é, enfim, determinado. Resultado final não era o que o governo esperava e pode ser mais oneroso que o previsto para as contas públicas

Crédito: Gabriela Biló

Pacheco, Lira e Haddad Os presidentes do Senado, da Câmara e o ministro da Fazenda foram os nomes por trás do que saiu, de bom e de ruim, das novas diretrizes tributárias (Crédito: Gabriela Biló)

Por Paula Cristina

Como acontece em toda reforma que fazemos em casa, o custo das novas regras tributárias também sairá maior do que o orçado inicialmente. Com uma alíquota média estimada em 27,5% (ante aos 25% previstos) as investidas do Congresso Nacional na proposta desenhada por Bernard Appy, secretário do Ministério da Fazenda, começam a ser precificadas. Com 205 alterações incluídas pelo Legislativo, o resultado final ainda é um imposto único para incidir no consumo de forma escalonada.

Mas também é o aval para disparada nos repasses do governo a estados e municípios, incerteza sobre implementação, judicialização e isenções, mas pode tornar a estrutura fiscal melhor para as empresas. “A posição da Fazenda sempre foi restritiva às exceções, mas é do jogo”, disse Haddad. Será que, ao ser concluída, a reforma tributária terá capacidade de colocar o País em linha com as melhores práticas internacionais?

Depois de ampla negociação no Senado, o plenário aprovou a PEC 45 em dois turnos (com 53 votos favoráveis e 24 contra) e o texto agora volta para Câmara para aprovação das alterações dos senadores, o que deve acontecer ainda em novembro. “Tanto Aguinaldo Ribeiro [relator na Câmara] quanto o Braga [relator no Senado] sabiam das dificuldades e agiram com bom senso, com argumento, para compor os votos necessários.”

O Congresso incluiu R$ 220 bilhões em fundos de compensação. Plano do governo era que a transição custasse no máximo R$ 80 bilhões

A fala de Haddad a jornalistas em Brasília no dia da aprovação explica, em partes, o que aconteceu em Brasília no último mês. Forte corrida de empresários para buscar benesses, partidos políticos trocando favores por votos e economistas tentando mapear o que cada uma das mudanças implicaria no texto final.

Um deles é Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Rena. Para ele, a nota que Haddad deu para o resultado final do texto, em torno de 7,5 em uma escala de zero a 10, foi demasiadamente branda. “O maior exemplo disso foi a criação de dois fundos muito generosos que não têm qualquer compensação ou explicação tributária”, disse ele, sobre os R$ 160 bilhões destinados à compensação tributária de estados e municípios durante a transição, além dos R$ 60 bilhões anuais garantidos para os estados com o fundo regional até 2033. Obrigações que o governo estimava ser, no começo, em torno de R$ 80 bilhões somadas.

Há ainda o esboço para a criação, por meio de lei complementar, do Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Amazonas. Será constituído e gerido com recursos da União.

Bernard Appy diz que espinha dorsal da proposta do governo ainda está de pé e vê avanços com a nova estrutura tributária (Crédito: Ton Molina)

Outro ponto levantado por economistas diz respeito ao número de setores que terão regimes especiais. Na PEC original, apenas itens da cesta básica, mas o senado criou a chamada cesta básica extendida, que eleva para 15 o número de itens.

Impostos menores seriam destinados apenas para:
• educação,
• saúde,
• saneamento básico,
• algumas áreas limpas do agronegócio.

Na Câmara entraram os parques de diversões, hotéis e restaurantes.

No Senado, a lista aumentou para englobar dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência; bens e serviços relacionados a segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética; produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais e atividades desportivas.

Fernando Facury Scaff, sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados, afirma que a inserção de tantos adendos e modificações deu à reforma um tom de improviso, o que significa ser difícil mapear seus reflexos.

Uma das maiores reclamações sobre a atual legislação tributária era o emaranhado de impostos, taxas e alíquotas diferentes que incide para o empresário. A proposta inicial do governo era acabar com isso criando o imposto único, mas um parágrafo no texto assinado por Eduardo Braga pode abrir a porteira para voltarmos à salada de impostos de atualmente.

Uma regra do Senado (e inserida um dia antes da divulgação do relatório final) permite que os estados criem um imposto sobre produtos primários e semielaborados, produzidos nos respectivos territórios, para investimento em obras de infraestrutura e habitação, em substituição a contribuição a fundos estaduais.

Além disso, quando avaliado o tempo de transição (que aumentou 15 anos) e a responsabilidade do governo nas compensações públicas, a avaliação do advogado é que boa parte do eventual aumento tributário para compensar os gastos do governo e isenções desenfreadas será repassado ao consumidor. “Essa conta é composta pelo aumento da carga tributária e da despesa pública. Isso inexoravelmente implicará em majoração de todos os preços.”

Para o professor doutor em direito tributário e presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/Pinheiros, André Felix Ricotta de Oliveira, a ideia de simplificação, transparência e segurança jurídica já ficou para trás na reforma tributária. “O que se nota é uma a confusão com o IVA, o IBS e a CBS. Repleto de distorções e tratamentos diferenciados”, disse.

Um sinal de alerta, afirma o professor, foi dado pelo Tribunal de Contas que pediu atenção a pontos que envolvem bitributação e clareza sobre o impacto econômico e social das novas regras. “Do jeito que se deu no Congresso, penso que trará mais insegurança jurídica, uma alta carga tributária, aumento da inadimplência dos contribuintes, levando a um aumento do contencioso judicial.”

Senado aprova em dois turnos, por 53 favoráveis e 24 contrários. Governo precisava de 49 votos para aprovação da PEC (Crédito:André Toffetti)

Contenção de danos

Primeira grande mudança tributária desde 1960, as alterações aproximam o Brasil das práticas vistas nos Estados Unidos, Inglaterra e Canadá, e seguem a indicação da OCDE sobre sistemas mais justos de tributação diante da economia do futuro. Com essa prerrogativa Haddad entende ter havido um caminho longo e alterações relevantes, mas que fazem parte do jogo. “Eu avalio o resultado final como um 7,5. Mas temos que lembrar que nosso sistema hoje é 1 ou 2.”

O secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, também avalia que o custo benefício entre o que o governo queria e o que saiu de fato do Legislativo foi positivo. “Considerando a necessidade de criar o ambiente político necessário para a aprovação, o resultado foi bastante positivo”, disse ele à DINHEIRO.

No entendimento do secretário, a espinha dorsal do projeto está mantida. “O trabalho real começa agora, um dia de cada vez para a execução”, disse. Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente, também gostaram do resultado. “Fizemos os ajustes para tornar a reforma justa para todos. Foi um trabalho conjunto”, disse Lira.

Lula, por sua vez, considerou a aprovação uma vitória, mesmo depois das alterações. Ele não percebeu, mas está diante do que na filosofia é conhecido como o Paradoxo do Navio de Teseu. Teseu, figura mitológica que derrotou o Minotauro em Creta, saiu em seu barco e fez uma viagem que durou 50 anos. Durante a jornada ele precisou trocar todas as peças da embarcação. Quando chegou ao seu destino, coube a pergunta. O navio que zarpou é o mesmo que atracou em Creta? No caso da reforma, é cedo para dizer.