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Altruísmo e economia

Mercados e trocas dependem do respeito aos direitos e às regras, e são parcialmente movidos por compaixão

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Vitoria Saddi: "Hoje em dia, assumimos que as pessoas possuem ‘racionalidade limitada’ e que as suas ações e atitudes podem ser motivadas por razões outras que não seu bem-estar individual" (Crédito: Divulgação)

Por Vitoria Saddi

Na semana passada, Tobias, um cachorrinho que eu ajudo e mora num posto de gasolina, foi atropelado dentro do posto. Fui chamada lá e o levei para o hospital. Já passou por uma cirurgia e aguarda para fazer a segunda. Cirurgias de animais são muito caras e fiquei pensando como iria custear todo aquele novo imprevisto na minha vida. Então fui a uma destas plataformas on-line e abri uma ‘vakinha’ para ele. Eu estava achando que iria arrecadar pouquinho, quase nada. Qual não foi minha surpresa quando, em menos de um dia, consegui arrecadar metade da meta total. Inspirado no Tobias, o tema de hoje da coluna é altruísmo em economia.

A primeira vista é possível pensar que o homem, na teoria econômica, é egoísta e, portanto, seria irracional do ponto de vista individual praticar boas ações, como doar dinheiro numa ação coletiva de crowdfunding. Tal argumento é obviamente falso e o altruísmo, a doação e a reciprocidade ocupam papel importante dentro da teoria econômica moderna. Sentimentos como amor, justiça e compaixão são forças poderosas que movem as pessoas, alocam recursos e estruturam sociedades.

A própria família vista como uma instituição fundamental no endosso desses valores ao formar crianças, contribui significativamente para a acumulação e crescimento econômico. Mercados e trocas dependem do respeito aos direitos e às regras, e são parcialmente movidos por compaixão, que pode aliviar misérias coletivamente através do suporte público e da caridade privada. As ações políticas e de voto são influenciadas pela noção do bem comum e pelo interesse público. Todas as organizações precisam de uma certa quantidade de ajuda mútua e confiança entre seus membros para funcionar.

Diversas associações criadas com o principal propósito de agir juntas ou desfrutar a companhia uns dos outros, sugerindo que uma sociedade e sua qualidade de vida dependem do respeito e da justiça entre seus membros. O desejo por autointeresse muitas vezes é acompanhado pela necessidade de dar aos outros, garantindo respeito e apoio às causas. Na verdade, interações baseadas somente em autointeresse podem levar a misérias e guerras. Adam Smith, o criador da ‘mão invisível’ tem um longo tratado que exalta a necessidade de bons sentimentos para a criação de uma economia saudável. O estudo do altruísmo, da doação e da reciprocidade deve ser considerado fundamental para a análise econômica, dado que esses conceitos ajudam a entender melhor as motivações, sentimentos e tipos de relações sociais.

Neste sentido, o egoísmo das ações individuais do ‘homo economicus’ é um conceito que já foi bastante reformulado em teoria econômica. Hoje em dia, assumimos que as pessoas possuem ‘racionalidade limitada’ e que as suas ações e atitudes podem ser motivadas por razões outras que não seu bem-estar individual. Uma teoria embasada empiricamente deveria atribuir um peso comparável para outros motivos, que incluiria altruísmo. A teoria econômica comportamental (behavior economics) reconhece que os motivos mudam ao longo do tempo e respondem a experiências e às surpresas da história. Os indivíduos não formam suas preferências isolados de outros indivíduos, mas em resposta a eventos públicos e informações que são amplamente disseminadas. Graças aos estudos deste ramo da teoria econômica sabemos que há duas partes no cérebro. Uma que toma decisões com base ‘no instinto’ e outra mais analítica, que leva mais tempo para decidir (Richard Thaler).

E, mesmo com os avanços de ‘neuro economics’ e economia comportamental, a teoria econômica ainda não consegue explicar diversos eventos tais como: a alta do preço das tulipas na Holanda do século XVI, crises financeiras e a discriminação contra grupos sociais baseados em cor, crença ou qualquer outro traço individual. Os avanços da teoria econômica são significativos e as plataformas de crowfunding são um bom exemplo de altruísmo na prática. No meu modesto exemplo do lindo Tobias mais de 200 pessoas, a maioria desconhecida, foi capaz de atingir a meta de arrecadação e salvar a vida dele.

*VITORIA SADDI é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. Também foi professora na California State University, na University of Southern California e no Insper. É PhD em economia pela University of Southern California.