Estudo gigante de comportamento on-line mostra os contrastes do Brasil; confira
Timelens, consultoria de negócios baseada em dados e insights, busca romper estereótipos da cultura brasileira e traçar tendências para as marcas
Por Victória Ribeiro
País do futebol, das rodas de samba e da alegria inerente. Pensar no Brasil, muitas vezes significa passear por essas inevitáveis e estereotipadas camadas. Fugir delas nem sempre é tarefa fácil. Traçar tendências em meio a um país tão diverso, ainda menos. Pensando nisso e com o propósito de usar a tecnologia para ‘fora da caixa’, a Timelens, consultoria de negócios baseada em dados e insights e integrante do ecossistema FutureBrand, lançou o estudo Tá Quente, Brasil.
Com base em 6,5 milhões de menções na internet, 6,7 milhões de perfis em redes sociais e mais de 300 milhões de buscas no Google, a conclusão é que, quando se trata do Brasil, os contrastes estão em toda parte.
Duas facetas opostas de um só país. “Compreender que o Brasil não tem um perfil definido e que os antagonismos fazem parte do cenário é fundamental para planejar os próximos passos, identificar as oportunidades, tendências que vão moldar comportamentos e gerar negócios”, afirmou André Matias, CEO da Timelens.
O estudo analisa, por exemplo, a relação com a felicidade: brasileiro, povo feliz ou brasileiro povo triste? E a resposta é: nem um, nem outro. Ao avaliar a satisfação da população, o estudo mostra que as buscas no Google por “estresse”, “depressão” e “burnout” seguem acima dos níveis pré-pandêmicos.
Ao mesmo tempo, a avalanche e o gosto por memes, cada vez com número maior de adeptos, une o trágico ao humor, em uma tentativa extremamente brasileira de minimizar (e acolher) aspectos negativos através da peculiaridade.
E quando se trata de válvula de escape, o consumo não poderia ficar de fora. Vídeos de consumidores da Shein destacam o excesso e o volume das compras, enquanto as pesquisas sobre taxação da empresa cresceram 363%.
“A quantidade de dados levantados pela pesquisa nos permite entender o que é um ‘soluço’ ou mudança de fato de comportamento. Olhar para isso é uma forma de se diferenciar”, disse Matias.
Em um país onde 10% dos mais ricos detinham quase 59% da renda nacional em 2021, de acordo com o Laboratório das Desigualdades Mundiais, que integra a Escola de Economia de Paris, e a pobreza atinge mais da metade da população em nove estados, segundo estudo do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) em março desse ano, a análise visita o Brasil profundo.
Além de ter mostrado que conversas sobre questões raciais cresceram 39% ao ano, o estudo mostra que a periferia passou a ser reconhecida como um centro de criatividade e tendências.
A expressão “de cria”, usada para definir algo que é moda fora dos grandes centros, cresceu 217% nas buscas do Google nos dois últimos anos.
Além disso, enquanto o Marco Temporal (que discute demarcações de áreas indígenas) movimentava a política brasileira, a hashtag #indígena crescia 108% em 2022 no TikTok.
“Olhar para a periferia para traçar planos de forma legítima, não apenas por uma ‘onda’, é uma forma relevante de se destacar no mercado”, afirmou o CEO da Timelens, que tem de grandes instituições bancárias a varejistas entre seus clientes.
Quando se trata de religião, o estudo aponta que a busca por louvores no Youtube cresceu 254% nos últimos dez anos. Contudo, os símbolos relacionados à fé vêm atingindo novas proporções, sendo ressignificados através da digitalização e utilização de redes sociais.
O uso de termos como “glória a Deus” e “tá repreendido”, por exemplo, cresceu cerca de 37,8% nas conversas digitais.
A influenciadora Vitória Souza, jovem pastora de 17 anos, é um exemplo desse misto entre religião e transformação digital. Através de vídeos que misturam pregações com mensagens motivacionais do “discurso coach”, a influencer compara as gerações de iPhone como se estivesse comparando características humanas e soma mais de 1 milhão de visualizações nas redes TikTok e Instagram.
Um fenômeno de desconstrução que atinge também os estereótipos relacionados ao agro, movimento muito incentivado pela figura do agro-jovem. “A cantora Ana Castela, por exemplo, tem mais relevância e buscas do que o próprio sertanejo em si. Ela se tornou mais do que uma categoria, virou uma coisa totalmente diferente e que rompe barreiras”, disse Matias.
A pesquisa mostra que as marcas devem pensar novos formatos para seus públicos. E num cenário digital que ainda não está universalizado. Isso porque, somente em 2022, 36 milhões de pessoas não tiveram acesso à internet. O que, segundo Matias, reflete na pesquisa. “O estudo explica muito, mas não tudo.”
Apesar do nível de inacessibilidade, a pesquisa mostra que o tráfego no Instagram no Brasil foi 4,6 vezes maior em 2022 se comparado a 2019, período pré-pandemia.
Para realizar a leitura das transformações, segundo Matias, a inteligência artificial (IA) foi essencial. “Lidamos com milhões de dados e, sem a IA, seria um processo extremamente dificultoso e demorado”, afirmou.
O ponto-chave da pesquisa, contudo, é a decodificação do Brasil através dos brasileiros. “Tem coisas que só a gente entende em meio às contradições da nossa identidade.” Existem características, termos e ironias que a IA não é capaz de captar. “Saber ler esses dados com a lente do Brasil e com a lente do que é relevante para nosso mercado é fundamental.”