Governo aumentado pela IA: quatro pontos relevantes

O uso da IA deve seguir um processo meticuloso, garantindo não somente o alinhamento com o marco legal, mas que sejam consideradas as implicações éticas, legais e sociais do uso da tecnologia

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Luís Guedes: "Os recém-lançados – e incríveis – GPTs possibilitam que organizações públicas utilizem o motor generativo da Open AI nos seus próprios dados – um ChatGPT para chamar de seu!" (Crédito: Divulgação)

Por Luís Guedes

Há relativo consenso sobre os avanços significativos que o uso da inteligência artificial (IA) pode promover na gestão pública. Por meio da IA se pode levar cidadania para aqueles que, sempre por tristes razões, estiveram à margem dos serviços públicos, assim como podem ser identificadas oportunidades de aumento de eficiência, de redução de custos e de aumento da agilidade operacional. Artefatos baseados em IA podem reconciliar a histórica escolha de compromisso entre qualidade e custo. Por meio do uso competente da IA é possível fazer melhor e mais barato – de oportunidades de economia nas compras públicas, passando por zeladoria urbana mais eficiente, que previne e não somente conserta, até a vigilância sobre-humana contra fraudes e comportamentos desviantes, somente para citar alguns exemplos.

A transformação pode ser ainda maior quando se utiliza a capacidade generativa da IA. Os recém-lançados – e incríveis – GPTs possibilitam que organizações públicas utilizem o motor generativo da Open AI nos seus próprios dados – um ChatGPT para chamar de seu! Os usos são praticamente ilimitados…

A literatura sugere que a adoção de IA por governos têm sido desarticulada, quase sempre sem uma estratégia unificadora dos esforços. O uso da IA deve seguir um processo meticuloso, garantindo não somente o alinhamento com o marco legal, mas que sejam consideradas as implicações éticas, legais e sociais do uso da tecnologia. Há um risco considerável de serem institucionalizados e acelerados desvios, preconceitos e injustiças, mesmo que de maneira inadvertida. Uma abordagem lúcida e prudente da liderança pode ajudar a diminuir os riscos típicos da adoção de uma inovação dessa magnitude. Exige-se para tanto o exercício de competências não triviais, dentre as quais literacia em IA, pensamento crítico, capacidade de influência e profundo conhecimento sobre a dinâmica da máquina pública.

Alguns pontos que emergem da análise de 50 casos de sucesso na adoção de IA por governos ao redor do mundo:

1.A liderança do projeto tem uma abordagem meticulosa na seleção dos “problemas certos” a serem tratados pela IA – são problemas relevantes, recorrentes, há dados de boa qualidade e o histórico de dados é suficiente para treinar o modelo que será desenvolvido

2. O desenvolvimento das soluções é feito de modo compartilhado com agentes externos – depender somente de especialistas internos ou somente dos fornecedores não é uma alternativa vencedora. Além disso, uma visão multidisciplinar é essencial para garantir que a solução seja equilibrada

3. O desenvolvimento é ao mesmo tempo cauteloso e ambicioso, construído por meio de protótipos autocontidos (erros eventuais não se propagam para outras áreas da operação)

4. A alta liderança promove uma agenda de discussão sobre os avanços técnicos da IA, limitações e aplicações potenciais no domínio da gestão pública

O discurso em torno do governo aumentado pela IA é uma narrativa em evolução. Os benefícios potenciais são revolucionários, mas requerem uma abordagem bem pensada, enraizada na compreensão profunda das dimensões tecnológicas, políticas, éticas e sociais da tecnologia. Que a máquina nos ajude a sermos mais humanos!

Luís Guedes é professor da FIA Business School