O curioso caso da Shein
Por Norberto Zaiet
Filho de dois renomados professores de Stanford, graduado pelo MIT, aparência de nerd que não cuida da aparência, cabelo sem corte, jeito desleixado, fala rápida e articulada, bilionário. Esse era Sam Bankman-Fried em 2021, no auge do sucesso de sua bolsa de criptomoedas, a FTX.
Não é preciso contar aqui a história que está nos jornais. Segundo o procurador responsável pelo caso, gente como SBF existe desde que o mundo é mundo: são mais velhos que o próprio tempo. Talvez a novidade seja que SBF era alguém desconhecido, falando com aparente conhecimento de causa sobre algo que pouca gente entende e com o jeitão correto. O que não é novidade é que, infelizmente, há gente por aí disposta a ser enganada somente para poder participar do jogo.
O caso é diferente, mas tem o mesmo pano de fundo: investidores acreditando em uma história que, apesar de parecer parar de pé, esconde um modelo de negócios que, na minha opinião, não para de pé.
A Shein não é só polêmica no Brasil: a controvérsia é global. O que começou na China em 2008, batizada de ZZKKO, transformou-se em SheInside.com. Em 2015 ganhou o nome atual e é hoje um dos maiores negócios de fast-fashion do mundo — equivalente a marcas como Zara e H&M.
Distribui, primordialmente, artigos de vestuário produzidos na China e vendidas por meio de uma plataforma on-line. Mantém uma coleção moderna e atual, criada por estilistas próprios. Atende de maneira rápida, tem um site fácil de operar e oferece produtos a preços acessíveis. Além disso, atualiza sua coleção com agilidade. Numa primeira leitura, parece um modelo de negócios bastante bem concebido.
A Shein tem uma tecnologia disruptiva? Não me parece. Tem peças de vestuário únicas? Também não. O que me parece único é a exploração explícita das leis dos países onde vende seus produtos
A Inditex, dona da Zara, tem um modelo parecido. Atualiza a coleção constantemente, com produtos que caem no gosto do público a preços acessíveis (porém não tanto como os da Shein). Mantém boa parte de sua produção na Ásia, mudança de estratégia feita nos anos 2000. Ao contrário da concorrente, porém, a Zara tem forte presença off-line. Outra diferença importante: a Inditex não se utiliza de espaços na legislação fiscal dos países para vender seus produtos.
A meu ver, isso explica como a Shein chegou ao tamanho de hoje e está à beira de um IPO. Sem lojas físicas, baseando seu modelo em uma plataforma 100% on-line, e usando a isenção do imposto de importação que existe na maioria dos países para produtos de uso pessoal até determinado valor. Precificando seus produtos sempre abaixo do limite de isenção, a Shein consegue praticar valores que incomodam a concorrência.
Um modelo de negócios que aproveita a legislação fiscal dos países não me parece longevo. Adicione a isso temas relativos a trabalho escravo e poluição do meio ambiente, entre outros: muitas empresas desse mercado já passaram por isso.
A Shein tem uma tecnologia disruptiva? Não me parece. Tem peças de vestuário únicas? Também não. O que me parece único é a exploração explícita das leis dos países onde vende seus produtos.
A Shein não tem nada a ver com SBF e suas falcatruas. O único paralelo entre as duas histórias é que tem gente vendendo o peixe com aparente conhecimento de causa e jeitão correto para isso. Gente especializada em histórias que não param de pé, mas que ficaram ricas vendendo esse tipo de ideia para gente que queria participar do jogo. Vale a pena prestar atenção.