Como Lula vai resolver o rombo das estatais? Déficit previsto é de R$ 5,6 bilhões
Empresas públicas tem resultado pior que o esperado, e Tesouro pode ter que arcar com R$ 5,6 bilhões para cobrir o déficit deste ano
Por Paula Cristina
RESUMO
• Lei prevê a possibilidade de compensação da diferença por parte da União
• Tesouro descarta ajuda às estatais nos próximos anos
• Ministra diz que resultado negativo das estatais foi a incorporação das empresas de energia nuclear à meta
• Lula manda recado ao mercado de que não vai vender estatais, mas fortalecê-las
• Desestatização só é considerada no governo na medida em que as agências regulatórias se aprimorarem
O presidente Lula ainda tem alguns abacaxis para descascar quando o assunto é economia, e sua condução pautada na mediação de conflitos torna algumas das resoluções mais difíceis. É o caso das estatais. Depois da corrida pelas privatizações promovida nos governos Temer e Bolsonaro, o número de empresas caiu de 300 para 124 entre 2016 e 2022, mas alguns problemas voltaram a aparecer agora. O principal é o resultado deficitário de parte delas, que fecharam o terceiro trimestre com R$ 500 milhões negativos.
Somado ao pagamento de juros e amortizações, que chegarão a quase R$ 3 bilhões até o fim do ano, o déficit chegará a R$ 5,6 bilhões, e será preciso acionar o Tesouro Nacional para cobrir. A projeção é do Ministério do Planejamento, no relatório de avaliação de receitas e despesas relativo ao quarto bimestre deste ano.
Segundo a Legislação brasileira, quando o resultado negativo fixado na Lei de Diretrizes Orçamentárias das estatais é maior do que o esperado, a própria lei prevê a possibilidade de compensação da diferença por parte da União.
Um levantamento da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, essa compensação não ocorre desde o ano de 2015, ainda no governo Dilma Rousseff. Segundo o Tesouro Nacional, a necessidade de compensação de 2023 não deverá acontecer nos próximos anos.
“Apesar da expectativa presente de necessidade de compensação, pelo Tesouro Nacional, no ano de 2023, quanto ao resultado primário das empresas estatais federais, para os anos seguintes, não se vislumbra a necessidade de esforço fiscal adicional pelo governo central”, informou a instituição.
ENERGIA
Segundo Esther Dweck, ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, o déficit das estatais é resultado da incorporação das empresas de energia nuclear à meta, algo que não acontecia há mais de uma década.
Desde 2009 o grupo Eletrobras ficava de fora. Embora uma parte dele tenha sido privatizada no ano passado, o governo Bolsonaro não excluiu a ENBPar.
O déficit deste ano resulta em parte da falta de “excepcionalização”, para usar o termo de Dweck. “A empresa principal, que tem o déficit, é a Eletronuclear”, afirmou a ministra.
A Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar) foi criada para acomodar a gestão da Eletronuclear e Itaipu após a privatização da Eletronuclear. Agora, o plano é tirá-la da conta em 2024. “Pedimos para a LDO de 2024 o grupo ENBPar ser excepcionalizado”, disse.
O resultado tão negativo, causado pela excepcionalidade ou não, trouxe à tona discussões sobre o que deve ou não ser privatizado.
• A Emgepron, por exemplo, tem previsão de déficit de R$ 3 bilhões.
• Correios deve fechar o ano negativo em R$ 600 milhões; o INB no vermelho em R$ 300 milhões.
• A Dataprev com rombo de R$ 200 milhões.
Lula, no entanto, já afirmou que seu plano não é “vender a cama para dormir no chão”, mas tornar as estatais competitivas. Foi um recado direto à turma da privatização. Isso explica a retirada do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), única fabricante de microchips do país, da lista de privatizações de Bolsonaro.
Não só isso. Na terça-feira (14) a empresa pública retomou suas atividades. A Ceitec estava esvaziada, depois de não ter atraído compradores. Por meio de um decreto Lula, as operações foram reativadas. Depois de dois anos parada, a estatal de tecnolgia deve receber aportes para recomeçar os negócios.
Em 2019, a companhia pública produziu mais 100 milhões de unidades de microchips. Um dos chips desenvolvidos na empresa era destinado ao passaporte brasileiro. O Ceitec também desenvolvia o chamado chip do boi, usado no monitoramento de rebanhos. Segundo Lula, as parcerias com a China podem ajudar no desenvolvimento de novas tecnologias e fazer do Brasil também um exportador de chips, ganhando novos mercados.
“A empresa principal, que tem o déficit, é a Eletronuclear, por isso pedimos para que na LDO de 2024 o grupo ENBPar ser excepcionalizado.”
Esther Dweck, ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos
SERPRO
Ainda na área de tecnologia, a Serpro, estatal que abriga dados on-line de todos os brasileiros, também passou pela berlinda da privatização, mas continua sob cuidados da União. A empresa é considerada uma das mais rentáveis entre as públicas, já que opera com dados, uma commodity para a economia do futuro.
O Serpro, que ganhou recursos e espaços durante o s primeiros governos de Lula, também terá destaque no Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) e desenvolverá toda a tecnologia que irá cruzar dados, licitações e gastos para evitar desvios e fraude.
A Telebras, que esteve no limbo nos últimos anos, entrou na lista de repaginação. Segundo Siqueira Filho, presidente eleito em maio deste ano pelo Conselho de Administração da estatal, o próximo passo será entrar no mercado de data centers.
“O objetivo é que a gente atenda a administração pública em busca de novas fontes de receita”, disse. No final de outubro, a Câmara dos Deputados aprovou em caráter terminativo um Projeto de Lei de contratação preferencial da Telebras por parte de órgãos públicos federais para serviços prestados de forma não exclusiva.
Em 2022, a Telebras registrou um faturamento líquido de R$ 347 milhões — com prejuízo de R$ 127 milhões.
Para o professor do Instituto de Economia da UFRJ Armando Castelar, os argumentos antes utilizados para justificar a manutenção de empresas nas mãos do Estado perderam o sentido com o passar das décadas.
O medo da desnacionalização da economia e a preocupação com a segurança nacional foram postos de lado depois que os militares saíram do poder, em 1985, e de a Guerra Fria chegar ao fim, em 1991.
A criação de empresas públicas para garantir investimentos no País diante do baixo interesse do capital privado também não é mais um argumento válido, como era entre 1950 e 1990, já que a abertura da economia global deixou o Brasil em destaque. “Os empresários brasileiros também conseguiram resultados excelentes e estão dispostos a investir, desde que haja condições”, disse Castelar.
Ainda segundo ele, hoje uma estatal só se justifica se cumprir algum papel social, além do comercial. Por exemplo: cobrar mais dos ricos de modo a subsidiar o serviço oferecido aos mais pobres.
Quando isso não corre, em sua visão, o ideal é que a iniciativa privada se encarregue do negócio. “Nenhum dos temores que existiam no passado em relação às privatizações se concretizou. As empresas se tornam mais competitivas quando vão para a iniciativa privada, pagam mais tributos para o poder público e geram mais empregos”, disse.
Claro que há exceções, como ficou claro no recente episódio envolvendo a Enel, empresa de distribuição de eletricidade que deixou milhares de paulistas sem energia por vários dias após as chuvas do início de novembro.
A ideia da venda de alguns ativos, em especial os pouco ou nada rentáveis, é uma questão delicada dentro da cúpula do governo. Um exemplo está na Companhia de Desenvolvimento dos Vales de São Francisco e do Paranaíba (Codevasf), estatal envolta em polêmicas em todos os governos e que ganhou uma cadeira a mais a pedido do Executivo. O cargo foi repassado ao ex-deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA), que esteve no palanque de Bolsonaro. Ele será diretor de finanças e foi o relator do Projeto de Lei que, ironicamente, desestatizava os Correios.
AGÊNCIAS
Para Gustavo Henrique Monteiro, consultor legislativo do Senado, o avanço da desestatização só poderá acontecer em paralelo outro movimento. O de fortalecimento das agencias regulatórias.
“Ou as agências têm poder ou o serviço pode ser sucateado”, disse. No caso da Eletrobras, que está em processo de desestatização, a Agência de Energia Elétrica (Aneel) será fundamental. “As companhias de eletricidade devem pagar a tarifa social para as famílias de baixa renda. Quem vai garantir isso é a Aneel”, afirmou.
Com tantos prós e contras, mediar os conflitos e chegar a um consenso que agrade minimamente gregos e troianos, é um baita abacaxi (e que só Lula poderá descascar).