A necessária presença de mulheres negras

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Por Sérgio Vieira

A realidade é dura para quem sente na pele as dificuldades de avançar no mundo corporativo pelos seus próprios méritos. Dois levantamentos da consultoria Gestão Kairós traduzem parte dessa difícil situação. Um deles mostra que, no Censo Multissetorial 2022, que teve mais de 26 mil respostas de inúmeras empresas, é irrisório o número de mulheres negras no Brasil em cargos de liderança (nível gerente para cima). “Nesse recorte, a gente enxerga tamanha sub-representatividade. Quando olhamos os cargos de liderança, homens negros são 17%, contrapondo aos 56% de presença na sociedade, e mulheres negras representam 3%, contra os 29% de representação na população brasileira”, disse Liliane Rocha, CEO e fundadora da Gestão Kairós, à DINHEIRO.

Outro estudo fala da participação negra nas agências de publicidade e propaganda. O dado é tão desanimador quanto. “Olhando os cargos de presidente em 24 agências, a gente falou com um homem negro e nenhuma mulher negra. E somente duas mulheres [não negras]”, afirmou. “Sob o aspecto dos cargos de lideranças, o índice de mulheres negras foi zero. A gente percebe que independentemente do setor, mesmo aqueles de mais vanguarda, muitas questões da sociedade brasileira estão reproduzidas no mundo corporativo.”

E Liliane Rocha vai além: em pleno 2023, mulheres negras ainda são questionadas por causa do cabelo. “Eu já vivi isso e ouvi que tinha que fazer chapinha e usar roupa de marca, por ser negra. Em um contexto de sociedade que a gente fala de competência, de performance, ainda somos questionadas sobre a forma que usamos o cabelo.” Nesse sentido ela tem feito uma provocação às empresas em que faz consultorias. Para ela, é necessário parar de tratar a questão da diversidade como “tema do coração”, com voluntários, quase uma visão de ONG. “Todos os outros setores envolvem gestão e este tema, não. É necessário gestão de pessoas e orçamento. E estabelecer ferramentas concretas.” Há muito a ser feito. É preciso avançar dia a dia.

IMPACTO SOCIAL
A mão estendida a microempreendedores da favela

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Vinicius Poit sabe da sua condição de privilegiado. E justamente por isso tem noção da sua responsabilidade na missão de estender a mão às pessoas. Ex-deputado federal, Poit ocupa, desde dezembro do ano passado, o posto de CEO do fundo de impacto social Estímulo, organização que, ao longo de três anos, tem ajudado microempreendedores e já impactou 100 mil pessoas, seja oferecendo crédito, capacitação ou outras conexões. “Mais do que oferecer dinheiro com juro baixo e sem garantia, era necessário capacitar essas pessoas. Damos cursos de gestão financeira, de marketing digital, de contabilidade. E de graça”, disse Poit à DINHEIRO. Somente com crédito, são 3,2 mil empreendedores, a um tíquete médio de R$ 60 mil, o que significa empréstimos de R$ 192 milhões desde 2020. Recentemente, o Estímulo firmou parceria com o Investe Favela para ajudar empreendedores de comunidades de baixa renda, público justamente formado na maioria por pessoas negras. O objetivo é atender a cerca de 20% da base do Estímulo (cerca de 20 mil pessoas), que ainda não estão formalizados e, portanto, não têm como obter crédito. “Se a gente conseguir ajudar 1%, serão 200 empreendedores. E isso é muito significativo”, afirmou Poit. “Olhando dentro da favela, a maioria é de população negra. Infelizmente ainda há uma desigualdade tremenda no Brasil, com poucas pessoas com muitas oportunidades e muitas pessoas com quase nada. A gente quer cada vez mais chegar em quem mais precisa.”

VULNERABILIDADE SOCIAL
Mais espaço e oportunidade para o Público feminino

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Liderado pela filósofa, escritora e ativista feminista Djamila Ribeiro, o Espaço Feminismos Plurais, que acolhe gratuitamente desde maio de 2022 mulheres em situação de vulnerabilidade social, vai mudar de sede. O Espaço deixa um sobrado e irá ocupar, a partir de 5 de dezembro, todo o edifício de quatro andares na Alameda Chibarás, 666, em Moema, em São Paulo. O local vai proporcionar atendimento psicológico, suporte jurídico, terapêutico, dentário, educacional e desenvolvimento profissional. “Com um espaço maior e totalmente acessível nós vamos ampliar os projetos, desafogar as listas de espera, em especial de atendimento psicológico e odontológico, além de poder pensar em novas ações”, disse Djamila Ribeiro, presidente do Espaço Feminismos Plurais. Em 2023, reforçou a aproximação com instituições nacionais e internacionais. Além disso, o Espaço Feminismos Plurais iniciou a primeira turma de mulheres empreendedoras.

“O Banco do Brasil de hoje pede perdão ao povo negro pelas suas versões predecessoras e trabalha intensamente para enfrentar o racismo estrutural no País” Tarciana Medeiros, que é a primeira mulher negra a presidir a instituição financeira

A enorme dívida do carrefour com a sociedade

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O racismo mata. Há três anos, em 19 de novembro de 2020 (véspera do Dia da Consciência Negra), o País assistia, atônito, ao assassinato de João Alberto Freitas, espancado por seguranças em pleno estacionamento do Carrefour em Porto Alegre (RS). A varejista assinou Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público no valor de R$ 115 milhões para ações de enfrentamento ao racismo, mas o fato é que os casos não cessaram. Em maio deste ano, um casal negro foi agredido e humilhado em uma loja da rede em Salvador (BA). Recentemente, a empresa anunciou o repasse de R$ 2 milhões em cestas básicas para os próximos quatro anos, o que significa R$ 41,6 mil por mês. A música de Elza Soares dizia que “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. E, pelo visto, continua sendo barata.