Internacional

Argentina por una cabeza

Javier Milei, o mais exótico e controverso presidente da história do país vizinho, se elege com propostas radicais para reverter uma profunda crise econômica e social

Crédito: Tomas Cuesta

Por Jaqueline Mendes

A Argentina não é um país para amadores. Não tem sido nem mesmo para os experientes. Desde Carlos Menem, presidente entre 1989 e 1999, que inventou uma paridade artificial entre o peso e o dólar, o país vive problema atrás de problema. Para sermos sinceros, mesmo antes de Menem havia décadas de problemas. Mas hoje eles assustam como nunca. Mergulhada em uma inflação de 142,7% em 12 meses, juros básicos de 133% ao ano, índice de pobreza em 40,1% e moeda à beira do colapso, a segunda maior nação da América do Sul escolheu com 56% dos votos o autodenominado “libertário” e “anarcocapitalista” Javier Milei para comandar o país pelos próximos quatro anos. Foi uma lavada sobre o peronista e governista Sergio Massa, ministro da Economia: Milei venceu em 21 das 23 províncias mais Cidade Autônoma de Buenos Aires. Ele assumirá no dia 10 de dezembro.

Para entender o que será o governo Milei basta uma equação simples: saber se ele será o fanfarrão de campanha ou se na cadeira presidencial terá outra postura. “A diferença entre o louco e o gênio é o sucesso”, disse ainda durante a campanha, ao ter sua capacidade mental questionada. Na primeira versão, o outsider prometeu fechar o Banco Central, dolarizar a economia, privatizar quase todas as estatais, romper com a China e sair do Mercosul. Para isso terá de brigar com os números. Nos dez primeiros meses de 2023, os dois principais parceiros comerciais do país foram justamente Brasil e China. Somos o maior destino das exportações argentinas (US$ 9,9 bilhões) e igualmente somos a origem da maior parte das importações deles (US$ 15,4 bilhões). E Pequim vem atrás no ranking das exportações portenhas (US$ 4,6 bilhões, junto dos Estados Unidos) e é o segundo país que mais vende a nossos vizinhos (US$ 12,4 bilhões).

Por esse motivo a falação de Milei no campo internacional parecem mais bravatas eleitorais do que realidade. Na noite de quarta-feira (23), em entrevista a um programa de TV, deu pistas de qual face irá adotar. Apesar de ter batido forte em Pequim e Moscou — afirmou que não promoverá relações com países com “regimes autoritários” ou que não tenham “democracias liberais”— foi brando sobre relações com organismos internacionais como o FMI. No âmbito das relações com o Brasil a diplomacia dos dois países emitem sinais às mídias locais de que o discurso está mais para a plateia do que para a realidade.
Hugo Garbe, professor doutor em economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie concorda e diz que o Milei candidato não será o Milei presidente. “Apesar da narrativa de que quer sair do Mercosul, a Argentina precisa muito do Mercosul”, afirmou Garbe. “E precisa muito mais do Brasil do que o Brasil da Argentina, o que não deve mudar em curto prazo.” Segundo Piter Carvalho, economista-chefe da Valor Investimentos, o dinheiro falará mais alto. “Com uma corrente comercial de US$ 26 bilhões não acho que as promessas de ruptura virem realidade, principalmente as medidas mais radicais”, disse.

Wagner Moraes, CEO da A&S Partners e especialista em macroeconomia, acredita até mesmo em pontos positivos. Para ele, as políticas de Milei podem influenciar as dinâmicas comerciais e políticas dentro do bloco, exigindo uma adaptação por parte dos países membros, especialmente no que diz respeito a acordos comerciais e políticas de integração. “Milei representa uma ruptura significativa com os governos anteriores. Sua ascensão ao poder sinaliza uma mudança ideológica profunda, potencialmente redefinindo o curso político e econômico argentino”, afirmou Moraes.

DENTRO DE CASA Assim, a faceta mais radical do novo presidente deverá ficar mesmo para o cenário interno. Milei afirmou que a diferença de votos que obteve no segundo turno contra Massa é “um mandato” da sociedade e que para alcançar o equilíbrio fiscal reduzirá os gastos. Um dos primeiros movimentos é encerrar todas as obras públicas no dia em que tomar posse. Perguntado sobre os trabalhadores dessas obras, respondeu que serão colocados à disposição do setor privado e que se as empresas não se interessarem por fazer “é porque aquele trabalho não faz sentido”. Na mesma linha, disse que não haverá mais verbas para obras públicas nas províncias e municípios. Milei reiterou que empresas públicas serão privatizadas. “O que puder estar nas mãos do setor privado estará”, disse. “Está provado que tudo o que o setor público faz é errado.”

Para o novo presidente, a Argentina está à beira da pior crise da história e a questão é quem paga pelo ajuste. “Desta vez, será pago pela política. Recairá sobre o Estado e não sobre a iniciativa privada”, afirmou. Para isso, no entanto, terá o colossal desafio de costurar uma base no Congresso. Seu partido, o Liberdade Avança, é minoria tanto na Câmara quanto no Senado. O grupo tem só 39 dos 257 deputados, e sete dos 72 senadores, na nova composição do Congresso. Além disso, os ultraliberais não têm nenhum governador nas 23 províncias. Hoje, metade delas é governada por peronistas.

Mesmo com a troca de farpas entre Milei e o seu colega brasileiro Lula, na prática as relações comerciais entre os dois países não devem mudar radicalmente. A Argentina enfrenta tantos desafios econômicos internos que isso dominará a agenda. E definirá o sucesso ou fracasso do governo Milei. Como lembrou o próprio novo presidente Argentino, “a diferença entre o louco e o gênio é o sucesso”. Os próximos anos dirão em qual definição caberá a Milei.