Tecnologia

Uma startup que une a IA à LGPD

Criada para ajudar empresas a se adequarem à Lei Geral de Proteção de Dados por meio de inteligência artificial, Privacy Tools é avaliada em R$ 100 milhões

Crédito: Istockphoto

Adequação das empresas à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) pode se tornar um gargalo na transformação digital (Crédito: Istockphoto)

Por Victória Ribeiro

Apesar do nome, a Privacy Tools é uma plataforma genuinamente brasileira. E surgiu para facilitar a adequação das empresas à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde 2020 no País. Para fazer isso de forma eficiente, seus criadores empregam tecnologias como blockchain e inteligência artificial. Segundo a CEO da empresa, Aline Deparis, “a Privacy nasceu com a intenção de entregar tecnologia com propósito”. Isso se dá por meio de soluções de gerenciamento de privacidade com módulos pensados para uso em variados segmentos de mercado e para cumprir regras relacionadas a diferentes legislações, seja a LGPD brasileira ou a GDPR europeia. Desde a sua criação, o faturamento cresce três dígitos ao ano: 661% em 2021, 300% em 2022 e 100% em 2023. Hoje, ela atende mais de 700 empresas e está avaliada em R$ 100 milhões, segundo Deparis.

Ela atribui esse crescimento a três fatores.

• Em primeiro lugar, à entrada em vigor da LGPD e à formação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
• Em segundo, à pressão global acerca da proteção da privacidade, algo que aos poucos começa a ganhar peso e relevância no Brasil. “Havia uma percepção de que a necessidade de preservar o que chamo de ‘essência humana’, que é nossa privacidade, também seria uma tendência por aqui”, disse a CEO.
Em terceiro lugar, a Privacy Tools se beneficiou da cultura de investimento de risco em empresas emergentes.

Em 2022, a plataforma recebeu R$ 2 milhões da venture capital Bossanova, especializada em aportes pré-seed para startups, e também obteve recursos junto à gestora Domo Invest. Tanto o dinheiro quanto a expertise investidas foram decisivos para elevar o negócio a um novo patamar em termos de atração de clientes. “Lá atrás, minha plataforma era muito pequena comparada com os grandes players globais, então minha resposta era sempre bater nas mesmas portas que eles”, afirmou. “Hoje, a gente já migrou cerca de 25 contas que eram desses concorrentes.”

A expansão transcendeu até os limites nacionais e projetou a Privacy Tools para o mercado externo, como o Banco Renault e a multinacional brasileira WEG.

Apesar desse alcance, Deparis afirma que os serviços da empresa ainda não têm demanda natural recorrente no País. Um dos motivos, segundo ela, se deve ao fato de o brasileiro não ter a cultura da privacidade. ”Isso ficou claro durante a Covid-19, quando as pessoas tinham hábito de fazer fotos com a carteira de vacinação com seus dados expostos”, disse ela.

Aline Deparis, CEO da Privacy Tools (Crédito:Rodrigo W. Blum)

“Temos longo caminho pela frente, tanto na privacidade, quanto em IA, cuja velocidade desafia legisladores, mas essa não é uma exclusividade nossa.”
Aline Deparis, CEO da Privacy Tools

CONFORMIDADE

De acordo com o estudo IT Trends Snapshot 2023, elaborado pela Logicalis, apenas 36% das empresas brasileiras afirmaram estar totalmente em conformidade com a LGPD. Uma das razões parece ser a sensação de imunidade. As primeiras multas foram aplicadas pela ANPD apenas em julho deste ano. O valor das duas, somado, foi de R$ 14,4 mil.

Na opinião de Deparis, a LGPD ainda há lacunas a serem preenchidas, mesmo com avanços como a regulação em torno da transferência de dados internacionais e sobre padronização no tratamento de dados de crianças e adolescentes. “A gente vive em um país que é continental e, consequentemente, com demanda significativa para legisladores”, disse a executiva.

E quando se refere às lacunas, ela entende que a inteligência artificial é uma delas, por depender de dados para treinamento de seus algoritmos. O Brasil foi o segundo país a propor a regulação da IA, em fevereiro de 2020, mas não conseguiu aprovar a legislação até agora. “Temos um caminho longo pela frente, tanto na privacidade, quanto em IA”, afirmou Deparis.

“A velocidade da IA desafia legisladores, mas essa não é uma exclusividade nossa.” No início de outubro, a ANPD abriu consulta pública para o seu programa piloto de sandbox regulatório de IA. A consulta tem como objetivo testar tecnologias associadas à tecnologia e avaliar como elas podem funcionar em um arcabouço regulatório de proteção de dados.

Em meio a esses movimentos, a Privacy Tools prevê um futuro de crescimento acelerado. “O que a gente construiu é apenas o início de algo maior”, disse a executiva, cujo objetivo é abrir uma rodada de captação Série A e partir para o mercado de investimento.

“Nós, brasileiros, precisamos passar por um processo de aculturamento para termos certezas maiores sobre quais caminhos tomarmos”, afirmou Deparis. “Hoje, você tem um cliente e precisa saber quais são os comportamentos dele e o que ele busca. A privacidade vem justamente para regular e parametrizar essas questões.”