Revista

O privilégio da desoneração

Crédito: Marcos Oliveira

Carlos José Marcques: "O Congresso promete rever e abolir o veto presidencial. Empresas pressionam com a alegação de que existirá milhares de demissões com o fim das desonerações. É uma ameaça indevida e, de certa maneira, incoerente" (Crédito: Marcos Oliveira)

Por Carlos José Marques

Os representantes do capital — no universo das empresas, bancos, comércio, serviço, o PIB em geral — integram o primeiro bloco de ativistas em favor de uma disciplina fiscal, com menos gastos e saúde financeira do Estado. Falam da importância de um caixa público equilibrado. Reclamam do que consideram despesas desnecessárias, inclusive relativas a programas sociais e afins. Dizem que o governo faz populismo com o dinheiro do contribuinte e se queixam de incentivos, quando esses são dirigidos a outras áreas de atividade e da sociedade que não as suas. Da mesma maneira agem políticos que pleiteiam emendas secretas, exigem recursos do Tesouro para distribuir nos seus currais eleitorais e pedem até mesmo cargos na esfera da máquina estatal para acomodar e agradar seus apadrinhados e aliados. Dessa maneira gira a roda dos interesses no quadrante de pressões e lobbies de Brasília. Quando, em determinado momento, o governo resolve colocar o pé no freio, privilegiar a disciplina orçamentária, sair em busca de recursos possíveis para cobrir o rombo, e tal intento resvala no butim de recursos religiosamente reservados aos integrantes dessa casta, a chiadeira é grande. Ninguém, absolutamente ninguém, que abrir mão de privilégios e fazer graciosamente “caridade” de renúncia de incentivos em prol do interesse comum. Não há tanto altruísmo assim capaz de despertar a benevolência desses favorecidos por concessões, em geral gordas. Novamente, no caso, foi possível ver como parte da elite econômica e até política reage diante da perspectiva de ser afetada pelos, necessários, cortes das verbas federais. Não gostam e não aceitam. O presidente Lula, seguindo a orientação e sugestão do seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, resolveu vetar integralmente a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos — decisão que fez publicar no Diário Oficial da União despertando assim reclamações de toda a ordem. Foi um Deus nos acuda. A escolha do presidente afeta a renovação de incentivos a 17 setores da produção e é justificada pela necessidade, mais do que evidente, de se cortar gastos para poder cumprir o objetivo de zerar o déficit. Mais uma vez: todos querem e pedem isso, mas não em seu prejuízo. Até o ano passado as desonerações representaram cerca de R$ 140 bilhões. Por ano, essa dispêndio tributário é da ordem de R$ 9,4 bilhões, uma dinheirama que faz muita falta na conta final do Estado. O Congresso promete rever e abolir o veto presidencial. Empresas pressionam com a alegação de que existirá milhares de demissões com o fim das desonerações. É uma ameaça indevida e, de certa maneira, incoerente. Quando as desonerações foram criadas lá atrás, ainda no governo Dilma, a justificativa era de que elas trariam uma considerável ampliação de vagas — algo que, na prática, não aconteceu. O setor produtivo deixou de entregar o que prometeu em troca do benefício e agora duplica a carga de pressões para assegurar uma vantagem pela qual não deu o combinado. No cabo de força, o ministro Haddad tenta uma saída paralela para compor um acordo e dissuadir os insatisfeitos. Fala em apresentar uma proposta substitutiva das desonerações até o final deste ano. Os parlamentares não querem esperar e, para atender aos empresários insatisfeitos — em plena temporada de busca de caixa para as próximas eleições —, falam em assegurar a continuidade do programa. Vale lembrar: o chamado Custo Brasil, segundo cálculos do próprio Ministério do Desenvolvimento, já ultrapassa a assombrosa marca de R$ 1,7 trilhão. E não para de crescer.