A tempestade Elon Musk
Por Norberto Zaiet
Elon Musk deu uma entrevista de mais de 90 minutos ao jornalista Andrew Ross Sorkin, em Nova York, na semana passada. O jornalista conseguiu extrair uma verdadeira radiografia do que se passa pela cabeça dessa figura tão polêmica. Além de mandar os anunciantes que suspenderam atividades no X, antigo Twitter, para um lugar não muito agradável — entre eles Bob Iger, CEO da Disney, que acabara de ser entrevistado e estava na plateia —, Musk deu uma pista sobre os seres que habitam sua cabeça. Segundo ele, são demônios muito produtivos.
“Minha mente é uma tempestade, e não é uma tempestade feliz. Tenho uma fonte de ideias na cabeça. Muita gente gostaria de estar na minha pele, mas eles não têm ideia.” Musk revela viver com essa sensação desde criança. “De certa maneira eu nasci assim, e isso foi amplificado por uma infância difícil.” Logo aos 12 anos de idade, teve uma crise existencial. Pensou em acabar com sua vida. Leu livros religiosos e de filosofia. “Os alemães me deixaram muito deprimido: ninguém deveria ler Nietzsche ou Schopenhauer na adolescência.”
Musk desenvolveu um senso de possibilidade embasado na realidade:
‘Você pode desobedecer a qualquer legislação feita pelos humanos, mas tente desobedecer a uma lei da física’. Rasgou protocolos, mudou processos de produção, mexeu em conceitos longamente estabelecidos, mas não se meteu a enfrentar a natureza
Apesar dos temas sombrios, Musk revela um lado positivo: “Se eu não fosse naturalmente otimista, não teria feito a maior parte das coisas que fiz”. Minha impressão é diferente: como viver com uma tempestade não é uma sensação feliz, acredito que Musk tenta fazer de tudo para se livrar dela. Isso gera uma certa autossabotagem que, ancorada em um intelecto acima do normal, cria condições para que o sujeito se sinta extremamente confortável em correr riscos que nós, meros mortais, nunca correríamos. Se não tivesse sido bem-sucedido nas rodadas de investimento que mantiveram a Tesla de pé — ou se o quarto foguete da SpaceX tivesse explodido, como os três primeiros —, Musk seria mais uma daquelas histórias do sujeito que queria mudar o mundo e de quem nunca mais se ouviu falar. Estaria buscando, como Cazuza, uma ideologia para viver.
“Quando comecei a Tesla e a SpaceX achava que tinha menos de 10% de chance de sucesso. Muita gente disse que não iria dar certo, e eu concordava com elas.” Foi em frente mesmo assim, chegando a arriscar todo o patrimônio que havia conseguido.
Musk desenvolveu um senso de possibilidade embasado na realidade. “Você pode desobedecer a qualquer legislação feita pelos humanos, mas tente desobedecer a uma lei da física.” Rasgou protocolos, mudou processos de produção, mexeu em conceitos longamente estabelecidos, mas não se meteu a enfrentar a natureza. Criou o melhor carro elétrico, a melhor bateria, o melhor método de carregamento de baterias, o melhor foguete, os melhores satélites. E tudo com as patentes abertas — ou mesmo sem qualquer patente.
“Eu não tenho problema nenhum em ser odiado. Querer ser admirado é um claro sinal de fraqueza”, afirmou. Junte tudo isso com tempestades e demônios e terá um Tesla sem freio. Essa despreocupação com o que pensam dele faz com que fale uma série de tolices que, amplificadas pela sua rede social, criam mais dor de cabeça do que mudam o mundo.
Charlie Munger, que nos deixou semana passada aos 99 anos, disse sabiamente: “Não compro o Sr. Musk, mas também não o venderia a descoberto”. Acertou na mosca: negociando a um múltiplo de 75 vezes P/E [preço/lucro], a ação da Tesla reflete todo o otimismo patogênico de seu fundador. E, quem já tentou vendê-la a descoberto, experimentou como é sofrido nadar contra o culto formado pelos seus seguidores. Uma coisa é certa: admirando-o ou não, Elon Musk veio para ficar.
Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York