Um bravo mundo novo

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Luís Guedes: "A lógica da companhia que visa a produtividade e o lucro acima de tudo, a posse e o diploma, tem cada vez menos espaço no mundo hiperconectado, atento, crescentemente engajado, móvel e plural" (Crédito: Divulgação)

Por Luís Guedes 

Para muitas empresas e pessoas, os padrões do século 20 já não servem mais como modelo de comportamentos, nem como impulsionadores de desejos. Uma considerável mudança já se instala e cumpre o papel de reorientar costumes, anseios e sonhos de consumo, às vezes causando desconforto, às vezes espanto e excitação.

Apesar de profunda, no entanto, a mudança coexiste com a tradição da era industrial, que vem se consolidando há mais de 250 anos. Vemos por todo lado (ainda) serviços padronizados, desconexos, intrusivos, aborrecidos de muitas formas diferentes. Os ecos da Revolução Industrial ainda são ouvidos nos corredores de escolas, na experiência que temos nos aeroportos e em muitos consultórios, canteiros de obras e fábricas…

A lógica da companhia que visa a produtividade e o lucro acima de tudo, a posse e o diploma, tem cada vez menos espaço no mundo hiperconectado, atento, crescentemente engajado, móvel e plural. Um estilo de trabalho sempre conectado, geograficamente disperso, com comando descentralizado, desconstrói as limitações do emprego tradicional e seus cubículos, horários e descrições formais de cargos. Importa cada vez mais sua capacidade de produzir impacto positivo à sua volta — da relação com os colegas, à relação com o mundo.

Se eu lhe dissesse: olhe além do horizonte Será que você olharia? Bravo mundo novo está nascendo E pelo visto vai te surpreender um dia Bravo mundo novo (Plebe Rude)

A transição para o trabalho descentralizado e baseado em projetos está sendo impulsionada pela normalização de um arranjo sociotécnico que permite a um desenvolvedor de software em São Paulo trabalhar em tempo real com uma designer em Singapura, ou que o projeto de um novo avião seja realizado ao longo das 24 horas do dia por equipes que se revezam, cada uma em um fuso horário, mas todas conectadas ao mesmo ambiente virtual e colaborativo.

Um estilo de trabalho sempre conectado, geograficamente disperso, com comando descentralizado, desconstrói as limitações do emprego tradicional e seus cubículos, horários e descrições formais de cargos

A conexão estável e de alta velocidade e as tecnologias baseadas em IA potencializam a mobilidade dos novos nômades e reconfiguram velhos sonhos de consumo. O blockchain, por exemplo, oferece uma base sólida que permite registros de histórico de realizações à prova de falsificação, servindo efetivamente como novos currículos, diminuindo custos de transação do mercado de trabalho e incentivando os atores a serem mais precisos naquilo que oferecem. Além disso, novas tecnologias de pagamento, como os tokens digitais, já começam a oferecer impulso na direção de uma força de trabalho descentralizada.

O trabalho aumentado por IA já é uma realidade na minha sala de aula e em milhares de outros locais, mostrando o caminho de nossa aproximação cada vez mais íntima com o mundo do silício e do algoritmo (daqui a pouco do quântico também). Não estou seguro, mas desconfio que uma a percepção social do trabalho e as tecnologias emergentes se reforçam, numa espiral própria desse bravo mundo novo.

Conclua comigo, inovador leitor, perceptiva leitora, que há já todos elementos para que se constitua um novo fundamento da competitividade, regenerativo, inclusivo, sustentável, que se inspira em quem desejamos ser e não se alinha mais com a sanha imediatista da máquina poluidora e barulhenta do século 20.

Luís Guedes é professor da FIA Business School