Empreendedores do Ano 2023

Empreendedores 2023/Startups: Maitê Lourenço e o acolhimento a techs chefiadas por negros

A BlackRocks foi criada para permitir que mais empresas de tecnologia fundadas por pretos e pardos tenham acesso a recursos para crescer. Desde então, já impactou mais de 5 mil pessoas

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Maitê Lourenço: "Se o ecossistema de startups no Brasil já é promissor, imagina se tivesse 56% da população, que é negra, entrando nesse mercado? (Crédito: Divulgação)

Startup: Maitê Lourenço, Blackrocks

Por Sérgio Vieira

Essa história não é sobre diversidade. Quer dizer, também é, mas não apenas. É sobre a jornada de uma psicóloga de formação que identificou, em 2016, a ausência de pessoas negras, assim como ela, em cargos de lideranças de empresas de tecnologia. Dessa percepção surgiu a BlackRocks, hoje uma referência no País em acolhida a startups chefiadas por negros. E esse talvez seja o grande desafio de Maitê Lourenço: fazer com que esses empreendedores tenham as mesmas condições oferecidas a não negros. “Eu queria muito fazer essa provocação. Se o ecossistema de startups no Brasil já é promissor, imagina se tivesse 56% da população brasileira, que é negra, entrando nesse mercado?”, disse. Como ela mesmo definiu, um misto de audácia, ingenuidade e, principalmente, visão de oportunidades.

A virada de chave da profissional que estava tentando atuar na área de Recursos de Humanos, com a criação de uma plataforma de currículos, foi em 2015, quando participou de alguns eventos de tecnologia e inovação.

Naqueles espaços, ela não enxergava pretos ou pardos. “Eu vi jovens conseguindo R$ 10 mil com um pitch (apresentação do seu negócio). Enxergava o quanto isso poderia virar R$ 300 mil ou R$ 400 mil com uma pessoa periférica já com serviço e produto a oferecer. Vi ali muitas oportunidades neste processo. Me apaixonei e me aprofundei nesse mercado”, afirmou.

Em 2017, a BlackRocks começou a ganhar tração, a partir de um evento com uma rede de mentores, em uma fase em que Maitê considera uma espécie de lançamento oficial da empresa. Foram 15 mentores que contribuíram no trabalho de 30 empreendedores.

A partir daí, a empresa decola, e sob demanda, como lembra a fundadora. Entre os principais pedidos de ajuda, estavam como ter acesso ao capital, ser validado como fornecedor de grandes empresas, entre outras dores. “Eu fui acolhendo essas demandas e verificando quais as possibilidades de verificar essas ações.”

Em 2019, ocorreu o primeiro Mínimo Produto Viável (MVP) de aceleração. No ano seguinte, a parceria foi com o banco BTG Pactual e o TikTok para a realização de um programa de aceleração de dois anos para colocar essas startups em contato com todo esse ecossistema.

DESAFIOS

A visão de Maitê é a de que, atualmente, o empreendedorismo de inovação vive um momento de transformação, principalmente pelo desafio provocado pela alta taxa de juros (ainda que hoje esteja em um momento de queda), poucos investidores com recursos e a consequente dificuldade em ter acesso a esses valores. Isso tudo sem levar em conta a questão da cor da pele. “Quando a gente olha para a população negra, essa escassez já vem antes, dada que estas conexões ocorrem a partir de uma rede de apoio.”

E é justamente nesse ponto, na rede de apoio, que a população negra sente ainda mais a barreira para avançar no setor. Um estudo da BlackRocks e da Bain & Company em 2021 traduziu fielmente essa percepção. Em conversas com stakeholders do mercado e investidores-anjo, 81% disseram que atuam com indicação na hora de investir em startups. E 71% dessas mesmas pessoas disseram que nunca ou raramente tiveram pitch de pessoas negras.

“Isso reflete para um grupo que ainda tem muitos desafios. Enquanto não abrimos oportunidades para a população negra, não vamos sair dessa crise. É importante deixar isso explícito.” E é justamente a falta de acesso, como visto no estudo da BlackRocks, uma das dificuldades de uma startup com negro para conseguir superar essa fase de investimento e chegar a ser um unicórnio (avaliada em mais de US$ 1 bilhão). Ainda que sem um dado oficial, o que se imagina é que menos de 1% das startups com líderes negros são investidas com volume significativo de recurso considerado da Série A (quando já tem um modelo de negócio consolidado).

Mas isso não é encarado como razão para lamentações ou aceitação desse panorama. Pelo contrário. Tem servido de estímulo para buscar ainda mais resultados. E eles já são robustos. Desde que foi criada, a BlackRocks já impactou cerca de 5 mil pessoas, incluindo as mentorias, encontros e treinamentos.

Também foram aceleradas 35 startups nas áreas financeira, de RH, estoque, saúde, química, jurídica, entre outras. Das últimas 24 startups aceleradas pela BlackRocks a partir de 2020, seis delas já conseguiram captar mais de R$ 10 milhões. Um desempenho que garantiu o prêmio na categoria Startup da edição EMPREENDEDORES 2023.

Dados da Associação Brasileira de Startups (Abstartups) corroboram esse raciocínio de Maitê que ainda há um longo caminho a ser explorado pelas empresas de tecnologia chefiadas por negros. Segundo o Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups, das 2.593 startups mapeadas e ativas durante o estudo, apenas 23,7% dos fundadores dessas empresas são pessoas pretas (6,2%) e pardas (17,5%).

E a última provocação: um levantamento americano diz que startups lideradas por negros têm retorno de 3,3 vezes sobre o valor do investimento, enquanto as de não negros devolvem 2,5 vezes o recurso investido. “Isso mostra que nós temos que fazer muito mais para conseguir chegar lá.” E Maitê Lourenço chegou.