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O rei está nu — e alguém precisa dar um toque

Não está no juro alto a origem da remuneração do rentista. Está no rombo fiscal

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Edson Rossi: "Desarranjo fiscal faz com que países transfiram dinheiro para os ricos." (Crédito: Divulgação)

Por Edson Rossi

Existe uma lenda corporativa insuperável: a de que chefes querem sempre ouvir a verdade. Não procede. Pelo menos não procede na maioria dos chefes. Os espinhos da cadeira são tantos, e a quantidade de decisões envolvem tantas variáveis, que ter dúvidas não é uma probabilidade. É uma certeza. E isso faz com que as bajulações do entorno prevaleçam em detrimento de quem diga a real. O tal do papo reto. Para tanto seria preciso um líder que não entrega sua cabeça no primeiro susto — aka Caixa Econômica. Há 25 anos cometi um erro sério numa edição sobre música clássica para crianças na editora em que trabalhava. Ocupava um posto gerencial e por causa do erro fui até meu diretor entregar o cargo. Ele disse que não aceitava, e que admitiria (sob algumas circunstâncias) que eu errasse. E narrou a história das regatas, em que somente os barcos que arriscam queimar a largada vencem. “Não se ganha navegando sem coragem de se expor ao erro, de queimar uma largada”, disse. Fiquei aliviado. O que durou menos de três segundos, porque logo ele emendou: “Mas não erre erre além de duas vezes a cada dez”. Se a história não foi exatamente assim foi parecida com isso.

Pensei nele ao ler as falas de Lula III na terça-feira (12) durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, no Palácio do Planalto. “Eu só queria dizer sobre a lição que aprendi hoje. Vocês perceberam que não é difícil governar um país, não é difícil governar uma cidade ou um estado”, disse. “Basta que a gente tenha a capacidade de ouvir as pessoas e aprender com as pessoas.” Bobagem. Mas ele continuou. “Eu queria dizer a vocês ‘obrigado por terem inteligência’. De vez em quando, o cara fala: ‘Pô, Lula, tem que fazer um grupo de inteligência artificial’. Gente! Com a inteligência que eu tenho aqui, para que eu quero inteligência artificial?” Bobagem. Falou bobagem do Desenrola — não citou que foi uma ideia tirada do Ciro Gomes, ok — e ainda achou tempo para defender que o País cresça mesmo com dívidas. “Se for necessário fazer o endividamento para crescer, qual é o problema?” Outra grande bobagem. Sem qualquer reação da claque.

Lula III mudou muito em relação aos Lula I e II, um líder responsável fiscalmente — mesmo podendo defenestrar a qualquer momento o tucano Henrique Meirelles, que ele havia chamado para ser presidente de seu BC não independente. Por que não o fez? Por oito anos não o fez. Por que não bombardeou Meirelles com pedras atiradas em discursos de chiqueirinho para uma claque remunerada por cargos e benesses típicas desses postos? Ah, mas Lula mudou de ideia e mudar de ideia é legítimo. É. Mas fingir que isso não ocorreu é má-fé. Ainda não li ou ouvi Lula III dizer por que não pensa mais o que pensava. E se mudou de ideia, por que mantém como ministro da Fazenda a única pessoa em seu Parquinho que não pensa como ele e tenta manter uma civilidade fiscal?

O congênere portenho de Haddad — Luis Caputo — afirmou no mesmo dia das falas de Lula III que desde 1900 a Argentina teve déficit fiscal em 113 anos. Isso mesmo. Em 123 anos, apenas dez ficaram no azul. O resultado? Por quase nove décadas no século passado, a Argentina esteve na lista das dez maiores economias do planeta. A insistência de Buenos Aires em sua diarreia fiscal, em especial nos últimos 20 anos, fez o país desabar. Hoje não está nem entre os 20 maiores. Desarranjo fiscal faz com que países transfiram dinheiro para os ricos. E tiram também, via elevados índices de preços, dos pobres. A origem da remuneração dos rentistas não é o juro alto. É a necessidade de cobrir rombo fiscal que remunera rentistas. Essa obviedade é ignorada entre os principais interlocutores do governo Lula III.

Na quarta-feira (13), O Banco Mundial divulgou o Relatório da Dívida Internacional. Tirando os países desenvolvidos, os demais pagaram um recorde de US$ 443,5 bilhões de serviço de suas dívidas públicas. Foi um aumento de 5% em relação a 2021. O problema é gravíssimo porque o planeta está “em meio ao maior aumento nas taxas de juro globais em quatro décadas”, segundo o relatório do Banco Mundial. “Esta é a década do acerto de contas”, disse o economista-chefe do Banco Mundial, Indermit Gill, à Reuters. Todos sabemos, vale acrescentar, que o dinheiro destinado ao serviço da dívida é dinheiro que deixa de ser alocado em saúde, educação, infraestrutura — incluindo programas de vanguarda, como incentivo à disseminação de inteligência artificial para serviços públicos (novamente aqui falamos de educação, saúde, infraestrutura), ranking em que o Brasil está na medíocre 36ª posição. Nosso chefe supremo pode falar as bobagens que quiser. Mas é preciso que alguém na claque diga que o rei está nu.

*Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.