Empreendedores 2023/Impacto Social: Neca Setubal, uma construtora de pontes
À frente da Fundação Tide Setubal, Neca Setubal desenvolve um verdadeiro hub multiplicador de ações que transformam o território
Impacto social: Neca Setubal, Fundação Tide Setubal
Por Edson Rossi
Quem conhece Neca Setubal há mais tempo, e seu trabalho à frente da Fundação Tide Setubal, a define como uma pessoa que cria conexões. Quem acaba de conhecer Neca Setubal vai defini-la como uma pessoa que cria conexões. A própria Neca Setubal se define como uma pessoa que cria conexões. E que conexões! “Construo pontes. Pontes entre os diferentes”, afirmou nesta entrevista à DINHEIRO a vencedora do EMPREENDEDORES 2023 na categoria Impacto Social. “São pontes entre a periferia e o centro, entre a universidade e a escola, entre organizações brancas e organizações negras, construo pontes com as diferentes pessoas de diferentes origens.”
Esse é o legado pelo qual trabalha. Sua marca. Como ela diz, a de uma pessoa que tem compromisso com o Brasil e que sempre trabalhou por um país mais justo, mais igual e que combate o racismo.
Mais que legado ou marca, esse é o seu dia a dia. E está no DNA da fundação que leva o nome de sua mãe e que traz princípios e valores que Neca aprendeu em casa.
O pai, Olavo Egydio Setubal (1923-2008), engenheiro por formação, foi um industrial, banqueiro e político à frente de seu tempo. Nos anos 40, criou uma empresa pioneira, a Deca.
Entre o fim dos anos 50 até o meio dos anos 70, conduziu a expansão e consolidação do Itaú. Nomeado prefeito de São Paulo, cargo que ocupou entre 1975 e 1979, olhou a cidade de forma vanguardista. Resgatou o Centro, levou o metrô para a populosa Zona Leste da cidade, pensou parques, construiu calçadões em que carros eram proibidos, abriu avenidas como a Sumaré — cortada por um corredor verde dedicado a pedestres e ciclistas.
Adorava gerir a cidade baseado em dados. A mãe de Neca, Mathilde ‘Tide’ de Azevedo Setubal (1925-1977), não estava atrás. Desde cedo, dedicou-se a atividades públicas, mas foi como primeira-dama que sistematizou essa atuação.
Em 1975, Tide criou o Corpo Municipal de Voluntários. Enxergava a sociedade como uma malha conectada e não espaços apartados. E nisso transformou a periferia como centro de seu olhar. “No começo dos anos 2000, já depois da morte da minha mãe, comecei a ver todo o material deixado por ela, os discursos que tinha feito, e fiquei muito surpresa. Ela trazia uma visão muito à frente da época”, disse Neca. “Fiquei impactada.”
O embrião da Fundação Tide Setubal estava plantado. E a localização também. O tradicional, mas muitas vezes esquecido, bairro de São Miguel Paulista, no extremo leste da cidade de São Paulo. Um lugar a 30km da Praça da Sé, e quase 400 mil habitantes. Uma cidade dentro da cidade.
Ali já havia um hospital chamado Tide Setubal, uma escola Tide Setubal, um clube da comunidade chamado Tide Setubal. “Fui visitá-los, e estavam muito deteriorados”, afirmou Neca. Ela procurou os irmãos e disse que gostaria de criar uma fundação em homenagem à mãe, “com foco em periferias urbanas, em desenvolvimento local”. Logo depois, em 2006, nasceu seu projeto social.
TERRITÓRIO
Ao mergulhar no site, nos trabalhos, nas agendas, nos projetos, em tudo o que a fundação faz, uma palavra se sobressai: território. “No começo, eu falava de território e as pessoas não entendiam”, disse Neca.
Significa o respeito ao que está estabelecido. Tanto que os planos de instalar a entidade em São Miguel Paulista levaram em conta instituições locais, como um bloco de carnaval, o Vamo que Vamo, e um clube de futebol amador, o Brasil FC. Houve articulação da fundação com os dois, e a gestão era compartilhada. “A gente chega no território e joga junto. E não é somente uma forma de falar, é algo concreto mesmo.” Esse mergulho molda a atuação. E carrega o respeito pelo espaço e pelas pessoas daquele espaço.
Hoje, a Tide Setubal tem cinco grandes áreas:
• Prática de Desenvolvimento Local,
• Fomento a Agentes e Causas,
• Programas de Influência,
• Comunicação,
• Desenvolvimento Organizacional.
Dentro de cada uma, há várias agendas. Em Desenvolvimento Local, por exemplo, um dos braços é dedicado ao empreendedorismo. A respeito do tema, a fundação diz que “em vez de ser romantizada, a atividade empreendedora requer suporte — seja em âmbito financeiro ou estrutural”.
Na vertical Fomento a Agentes e Causas houve no ano passado repasse de R$ 12,8 milhões a 216 organizações e 81 lideranças. Cada área tem sua prestação de contas. E tudo é pensado de maneira estratégica.
“A gente está fazendo toda uma teoria da mudança para transformar esse bairro de alta vulnerabilidade social [São Miguel Paulista] em um novo bairro nos próximos dez anos”
Neca Setubal, da Fundação Tide Setubal
Pergunto a ela qual o caminho de multiplicação desse poder transformador. Porque por mais que São Miguel Paulista tenha peso de uma cidade de médio porte, é uma gota no mar de desigualdades em que o Brasil se construiu. “Somos um hub”, afirmou. “Você pode ter organizações centralizadoras de movimentos.Não precisa ser uma fundação. Pode ser um centro cultural, e outros espaços. Lugares permeáveis, em que a comunidade pode entrar, e esse equipamento vai ser formador.”
Dessa maneira, inúmeras ações da fundação se tornaram referências e são replicadas. Cases. Spinoffs. Em resumo, um hub multiplicador. De conexões. E de pontes. Sempre a partir do território.