Economia

“A cobrança será na COP30, no Brasil”, diz Rachel Maia, do Conselho do Pacto Global da ONU

“Dubai foi uma boa lição do que queremos e do que não queremos na COP de Belém”

Crédito: Claudio Gatti

Rachel Maia, presidente do Conselho do Pacto Global da ONU no Brasil (Crédito: Claudio Gatti)

Por Sergio Vieira

Uma das principais vozes nas discussões sobre sustentabilidade e diversidade no País, a executiva Rachel Maia, atual presidente do Conselho do Pacto Global da ONU no Brasil, entende que um dos maiores avanços da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), que chegou ao fim no dia 13 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, foi discutir a redução do uso de combustíveis fósseis justamente em um país em que o petróleo representa a principal atividade econômica. “O que vejo de positivo é que o país do petróleo reconhece que precisa colocar limite de neutralidade climática até 2050. Isso foi dito lá dentro da casa deles.” Para ela, a cobrança das iniciativas será feita na COP30,
que será em Belém (PA), em 2025.

Após ficar dez dias participando das discussões em Dubai, qual foi sua principal percepção sobre a COP28?
Eu vi uma COP plural. Eu gostei muito. Vi o setor privado tentando entender as questões climáticas. O Brasil apresentou a maior delegação da conferência, com mais de 3 mil pessoas de diversos segmentos, tanto do setor público quanto do privado. Isso é um sinal de que estamos muito abertos a conhecimentos e nos preparando para a COP30, e me mostrou que a gente precisa assumir o papel de protagonista. Não ter a síndrome do que os outros fazem por nós. E para sermos protagonistas precisamos entender do que estamos falando. As discussões não terminam quando a COP acaba. Pelo contrário. As reuniões continuam. Há lacunas que precisam ser vistas. É necessário que os assuntos sigam sendo discutidos pelos países. Tenho participado de muitas reuniões nesse sentido e falado com muitas lideranças. Em resumo, há um caminho a percorrer, porque o resultado de uma COP que não esteja conectado com a questão climática é um resultado falso.

O que significa, na sua avaliação, esse conceito de pluralidade de vozes?
Falo de pluralidade de setores, steakholders, de empresas pequenas, de consultorias, de organizações, do terceiro setor. Vejo mentalidades plurais tentando entrar em consenso para que possam formar ideias melhores de uma realidade que é diferente da de ontem. Essa é a beleza que vejo na pluralidade, que é a da reconstrução de um letramento, de uma nova realidade. Para mim, isso é espetacular. Queremos falar com todos.

E o fato de a sede do evento ter sido na terra do petróleo?
A COP é um evento da agenda da sustentabilidade, para que a gente possa mitigar os efeitos do aquecimento global. E falar sobre combustível fóssil é um desafio. Essa COP28 deu uma mensagem importante, que foi o compromisso de redução do uso desses combustíveis por um processo de transição. Mas a cobrança será na COP30, no Brasil.

De que forma será essa cobrança?
Será no sentido de verificar se as ações estabelecidas evoluíram neste período. As edições das COP deveriam trazer respostas ao Acordo de Paris, de 2015, da mudança climática global, e do reconhecimento desse senso de urgência. Há muitas iniciativas que não estão sendo implementadas, principalmente pelos países desenvolvidos. E o esforço para a redução das emissões precisa ser desses países. E são eles que precisam arcar com as obrigações financeiras em relação aos países em desenvolvimento. Tudo isso foi discutido e reconhecido na COP28.

Então há o lado positivo de a COP28 ter ocorrido em um país que tem no petróleo sua principal fonte para mover a economia?
O que vejo de positivo é que o país do petróleo reconhece que precisa colocar limite de neutralidade climática até 2050. Isso foi dito lá dentro da casa deles. E isso tem um enorme peso. O Brasil é o país da natureza. E os problemas climáticos acontecem porque a gente agride a natureza. É importante olhar para a jornada dessa missão. Reforçar a necessária cooperação internacional. Precisamos
ter ambições de forma global.

E qual o aprendizado para o Brasil?
Nós queremos fazer certo. E Dubai foi uma boa lição do que queremos fazer e do que não queremos. Isso é importante. Pela primeira vez, é tratado da temática dos combustíveis fósseis estabelecendo objetivos globais. Nunca se falou tanto de transição energética rumo à neutralização de carbono como agora. E a nossa COP vai trazer os dez anos do Acordo de Paris, que limita o aumento da temperatura no planeta em 1,5 grau Celsius.

E chegaremos mais fortes em Belém?
O clima é o efeito colateral do descaso que tivemos por anos com a natureza. Tomamos caminhos que não eram os melhores. Precisamos mudar isso e adotar uma nova rota. E nossa COP está totalmente conectada à natureza. Portanto, isso depende de nós. Vejo muita movimentação e muita gente que conhece o assunto empenhado em fazer acontecer. Vejo um governo extremamente focado na temática e buscando liderar steakholders dos mais diversos setores. Mas precisamos colocar em prática essas ações.

De que forma o Pacto Global da ONU está atuando para que a COP30 possa alcançar seu objetivo?
Colocando o setor privado conectado com a Agenda 2030 (plano de ação estabelecido pela ONU por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) de forma prática. Avanços na logística são ações que irão fazer parte do processo. As discussões sobre escopos 1, 2 e 3 precisam ser feitas por todos os segmentos da sociedade. O Pacto está fazendo a iniciativa privada se unir ao governo, ao terceiro setor. Se o Pacto não fizer esse levante, não vai acontecer nada. Levamos o Ministério de Minas e Energia para fazer assinaturas de acordos de transição energética. O Pacto levou as ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e da Cultura, Margareth Menezes, para essas discussões em Dubai. Falamos sobre capacitação, engajamento, empregabilidade, investimentos em diferentes áreas. Estamos trabalhando nesse engajamento de conectar setores público e privado e fazer com que as coisas aconteçam. Uma vez engajados, a coisa flui.

Como tem sido as conversas em torno da preparação da COP30?
O governador do Pará, Helder Barbalho, está bem dedicado nisso e gostaria de fazer uma COP plural, conectada com a natureza. Ele inclusive disse, na conferência de Dubai, que lá eles poderiam oferecer hotel dez estrelas. E em Belém será possível oferecer floresta que sustenta todo o ecossistema. Temos muito a oferecer para o mundo. É muito importante valorizar a economia sustentável. Essas parcerias, sob a liderança do presidente Lula são fundamentais. É o momento de fazer rodar as engrenagens. Comitês estão sendo formados justamente para tratar disso. Certamente teremos um grande planejamento para que a nossa COP seja um sucesso.

A pluralidade também estará presente em Belém?
Sem dúvida. Queremos falar com os indígenas, com os quilombolas. Eles estarão presentes na COP30 e vão ter que se estruturar para isso. Precisam atender essa demanda que atenda a cultura e a agenda econômica. É necessário que exista um mapa do carbono para saber aonde iremos chegar. Para tanto, é preciso que haja a pluralidade de mentes. Caso contrário, não será possível que exista esse arcabouço de ideias. Existe um protagonismo indígena, que é fantástico, e queremos ampliar a participação dos quilombos. Eles são a nossa base. Sem ouvir a nossa base, não há discurso. E o investidor quer ouvir. Por sua vez, o Pacto Global da ONU tem a oportunidade de levar a voz do investidor. É isso que queremos. Nossa responsabilidade é enorme.