“Existe mais expectativa do que realidade sobre inteligência artificial nas empresas”, diz CEO da Falconi
Executivo que comanda a consultoria afirma que as organizações precisam ter objetivos claros com a adoção de novas tecnologias, saber o melhor ritmo dos investimentos e quais metas devem ser perseguidas
Por Hugo Cilo
O executivo gaúcho Alexandre Fanfa Ribas, CEO da consultoria de gestão empresarial Falconi, assumiu o comando da companhia em 2023 com a missão de conduzir, dentro e fora da empresa, o maior e mais intenso processo de transformação digital da história do mundo corporativo. Com projetos em mais de 40 países, em 50 diferentes segmentos da economia, a Falconi de Ribas tem capitaneado o processo de adoção de novas tecnologias nas empresas e ajudado a aprimorar processos de gestão em seus clientes. Formado em engenharia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ribas tem MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e é mestre em Economia Aplicada. Em entrevista exclusiva à DINHEIRO, o executivo analisou os erros e acertos dos empresários na jornada digital e traçou qual será o cenário dessa trilha de transformação nos próximos anos.
DINHEIRO — Qual é o real impacto da inteligência artificial na economia hoje?
ALEXANDRE RIBAS — Quando se fala de inteligência artificial hoje nas empresas, precisamos desambiguar, ter foco no objetivo. Essa é a primeira orientação que levamos às empresas. Tudo depende muito de onde os empresários querem chegar. O que percebo é que a transformação digital das empresas não é clara. Todos sabem que precisam se digitalizar, que precisam de IA, mas muitos não sabem o que fazer ou por onde começar.
Mas os investimentos em IA têm crescido exponencialmente…
Sim. A necessidade acelerou nos últimos três anos. A pandemia revolucionou alguns hábitos. Modelos de consumo mudaram radicalmente. O fato de as pessoas estarem com restrições de deslocamento fez com que muita coisa se tornasse digital. Hábitos de consumo e as próprias empresas se reinventando geraram um afã de transformação. Mas, apesar de ter crescido muito nos últimos anos, a transformação digital não é uma história nova. Por isso, vejo que falta ambição e definição de onde se quer chegar.
“O receio com a extinção de empregos e de empresas é natural. Estamos na fronteira de uma ruptura tecnológica’’
Quais são as novas tecnologias que as empresas mais têm buscado?
Tudo que envolve modelos avançados de analytics, machine learning e inteligência artificial estão ficando cada vez mais maduros nas empresas. A inteligência artificial para otimização de processos tem sido uma disciplina bastante avançada, e as empresas podem colher muito disso. Essas tecnologias podem gerar alto nível de automatização, com processos de gestão se autorregulando, sem a necessidade de uma intervenção humana. Há muitas empresas caminhando para isso. A própria Falconi faz bastante isso, as modelagens de otimização.
Qual é o grande desafio das empresas na adoção das tecnologias?
Sem dúvida, o grande desafio é a questão dos dados. As empresas precisam coletar uma quantidade gigante deles, os dados bons. Precisam saber quais dados coletar, quais têm valor. Hoje, para se capturar dados de um consumidor, é preciso informar por que eu estou capturando. Em algum momento, será preciso dizer para qual propósito está se desenvolvendo a IA. Muitos países já estão avançados nessa discussão.
Quais países?
Países como Holanda e Dinamarca estão bem evoluídos nisso. Eles têm uma questão latente, que é a qualidade de vida. Por isso, estão discutindo o propósito das companhias com a IA. A preocupação é que a adoção da inteligência artificial generativa não seja para desligar empregos, demitir pessoas. Pelo contrário. O foco é como potencializar o trabalho das empresas para que elas consigam, com isso, manter a sustentabilidade. Com mais produtividade, as pessoas poderão, em vez de precisar trabalhar, folgar mais dias na semana, não só sábado e domingo. Esse é um exemplo de como se pode usar a IA generativa de forma a não desligar, mas potencializar o trabalho da turma para que a gente consiga viabilizar uma política de qualidade de vida, sem impactar os resultados das companhias.
Qual o estágio está o Brasil na adoção de IA?
Quando a gente vai para a AI generativa, estamos engatinhando dentro dos potenciais e dos modelos. No nosso ponto de vista, vivemos um momento exploratório. É uma fase com muitos early adopters, para testar e explorar o potencial. Mas, insisto: as empresas precisam dizer o que elas querem, qual o propósito com a inteligência artificial.
Existe receio das empresas em adotar ferramentas como o ChatGPT, por falta de clareza na regulamentação?
De forma bem simplificada, toda vez que se dá um salto no desconhecido, vai existir um frio na barriga. Em essência, o que a gente está fazendo, principalmente em relação a esses modelos generativos, é isso: um salto no desconhecido. Ainda não temos clareza de todo o potencial que existe lá. Por isso disse que ainda é exploratório. O receio com a extinção de funções, extinção de empregos e com o desaparecimento de algumas empresas é natural. Afinal, estamos na fronteira de uma ruptura tecnológica.
Essa fronteira já não foi cruzada?
Estamos orbitando nessa fronteira. Não sabemos se essa fronteira vai esticar um pouquinho mais antes de romper, mas a gente está muito próximo dessa borda. Então, sempre vão existir receios. Isso faz todo sentido e é cíclico. A novidade é que estamos vivendo esses ciclos de transformação tecnológica de forma cada vez mais frequente. O que levava 50 anos para acontecer, e passou a levar 20, caiu para dez e, hoje, demora dois anos. Os ciclos estão ficando mais curtos. Profissões novas estão surgindo e outras, naturalmente, desaparecendo.
Há mais riscos ou oportunidades?
No meu ponto de vista, isso gera muito mais possibilidades do que riscos. Se nos fecharmos para as possibilidades de se transformar, de buscar continuamente o diferente e para algo que vai romper com patamares que a gente não imaginava de produtividade, não evoluímos.
O avanço da IA vai aumentar a produtividade das empresas?
Com certeza. Antes, quando a gente falava de produtividade sob a óptica de OEE, que é Overall Equipment Effectiveness, 85% era o benchmark. Com essas novas modelagens, podemos tangenciar 95% e, eventualmente, chegar perto de 100%. Isso porque, com novas tecnologias, o processo está sempre indo ao limite. A todo minuto, todo segundo, tem um sistema calculando e pedindo para você agir. Isso era impossível tempos atrás.
Muita gente acredita que a IA vai ser tão revolucionária para a economia como foi o lançamento da internet. Você concorda com essa comparação?
No meu ponto de vista, não. Ainda está para chegar uma revolução como foi a internet. Porque a internet transformou uma soma de microssistemas discretos, como linhas de telefone, em um grande sistema contínuo. E essa transformação é, em perspectiva, brutal. Tudo aquilo que ainda impedia a nossa capacidade como sociedade e coletividade de acumular conhecimento caiu. O livro Sapiens, de Yuval Harari, fala que o grande salto da sociedade foi quando se conseguiu acumular conhecimento de forma exponencial. O que isso significa? Eu acesso o conhecimento gerado pelo outro e, a partir do qual, eu construo em cima. E quando várias pessoas fazem isso, há uma escala exponencial de conhecimento. Essas barreiras foram sendo quebradas na medida em que surgiram telégrafos, telefones, viagens. Agora, quando veio a internet, aí todas as barreiras sumiram. Hoje se acessa praticamente 100% de todo o conhecimento disponível no mundo, caso queira. E todos são capazes de construir em cima disso. Então, o nosso potencial como humanidade foi brutalmente destravado com a internet.
“O metaverso está no vale da desilusão. Mas ainda acredito que possa vingar, como o blockchain. Tem aplicabilidade”
Não é o caso da inteligência artificial?
Não na mesma proporção. A IA pode, sim, promover uma aceleração, mas ela é incremental se a gente for considerar o tamanho da transformação. A IA faz parte da nossa vida, desde a definição de rotas do Waze, na engenharia logística, na previsão do tempo, até no cartão de crédito e na análise de fraudes. Ela veio para ficar e potencializar. Mas comparar com a internet é um pouco demais.
O medo de ciberataques é uma preocupação das empresas ao investir em tecnologias?
A segurança de dados é um tema quente e que está presente nas empresas. A gente está longe ainda de ter um ecossistema seguro e protegido. Os nossos dados estão em todos os lugares. A Falconi tem, inclusive, uma venture em cibersegurança, uma iniciativa importante do nosso negócio.
Qual é o maior entrave para o avanço da IA nas empresas?
Nesse momento, existe uma dicotomia nas empresas quando se trata de IA. Ao mesmo tempo que a transformação digital é uma pauta importante e recorrente nas empresas, há uma dificuldade em ver o retorno proporcional ao investimento que foi feito. É o que chamamos de eficiência digital. Existe mais expectativa do que realidade sobre inteligência artificial nas empresas. Na nossa visão, a agenda de IA está inflacionada. Está na moda. Eficiência digital é algo que está sendo tão discutido quanto IA em empresas que já rodaram alguns quilômetros e que estão começando a se questionar sobre esse investimento. Se a gente olhar para 2023, a IA generativa está no pico das expectativas infladas. Então, quando se tem uma expectativa muito grande, quando há muitas hipóteses sobre a aplicação, se começa a ter um grande processo de experimentação e de adoção precoce.
A Falconi tem falado isso aos clientes?
Nossa missão é discutir esses dois pontos com as empresas. Primeiro, em que ritmo adotar IA. Segundo, como ter retorno com isso. Então, essa pauta de eficiência digital tem começado a pegar para a gente com muita frequência. Nos últimos meses, desenvolvemos grandes projetos com empresas, líderes em seus segmentos, que estão discutindo o tamanho das suas áreas de tecnologia, o objetivo e a eficiência delas.
A IA corre o risco de frustrar como ocorreu com o metaverso?
A inteligência artificial, apesar de ser um campo novo da ciência da computação, já vem sendo estudada e trabalhada há bastante tempo, desde a Segunda Guerra ou antes. É diferente do metaverso, que ganhou relevância em um contexto de pandemia, no ápice dela, quando o nível de clareza das coisas era muito baixo. O metaverso cresceu em um cenário em que todos abraçaram hipóteses. Depois que as coisas se reacomodaram, as pessoas saíram de suas casas e voltaram à vida normal, a realidade mudou de novo. O Facebook, que mudou o nome para Meta, desesperado pelos resultados que tinha, tentou abraçar isso. Se desse certo, seria pioneiro. Enquanto isso, a Microsoft fez o mesmo movimento, mas com muito mais cautela. Por isso, diria que o metaverso está no vale da desilusão. Mas ainda acredito que o metaverso possa vingar. Ele é igual ao blockchain. Tem aplicabilidade. Só que talvez ainda não tenha achado suas aplicações perfeitas.
Os empresários estão ajustando as expectativas em relação à IA?
Naturalmente, as expectativas vão caindo. Para fazer escolhas, se começa a discutir tudo o que foi feito no passado. Essa fase é o momento em que as coisas vão se acomodar nas pautas. E aí a gente vai ver em qual lugar do coração dos gestores esse tema vai ocupar. Todos terão essa pauta, mas com diferentes graus de prioridade.