Inovações radicais e os custos que foram afundados
Por Luís Guedes
A psique humana é notoriamente suscetível à armadilha que nos prende ao “compromisso” com a continuidade de um projeto, tendo em visa os custos já incorridos. Os investimentos feitos exercem uma atração gravitacional que pode nos prender no caminho escolhido em outro tempo, mesmo quando as evidências atuais indicam alternativas mais satisfatórias.
Idealmente, investimentos feitos (e não recuperáveis) não devem influenciar decisões futuras. Ocorre que nossos cérebros, treinados ao longo de milhares de anos para a conservação de recursos, resistem em abandonar empreendimentos nos quais muita energia já foi gasta. Além disso, não ouvi falar (ainda) quem tenha ganho bônus anual por ter interrompido um projeto…
Esse fenômeno, (conhecido como “falácia dos custo irrecuperável”), começa a ser estudado por volta de 1980 e hoje já dispomos de considerável corpo de evidências que indicam que esse viés de julgamento pode impedir as organizações de se afastarem de projetos que drenam valor, mesmo frente a evidências que desafiam a eficácia das decisões que se toma. Se não percebido, pode levar a uma escalada desastrosa de perdas…
Lidar com esse fenômeno é fundamental para os profissionais que lidam com inovações radicais, onde os investimentos iniciais em tecnologia, formação de equipes e relacionamentos podem ser substanciais, ainda que na presença de risco elevado. Riscos e recompensas dançam um tango perpétuo na arena dinâmica da inovação radical e a saga recente de diversos departamentos de polícia dos EUA na busca pela adoção de tecnologia de reconhecimento facial ilustra como os custos afundados podem ser uma armadilha cognitiva perigosa.
“Não importa o quão longe você tenha ido no caminho errado, volte” (Provérbio turco)
Departamentos de polícia de várias cidades dos EUA investiram pesadamente em sistemas de reconhecimento facial, que prometiam e vinham entregando (em laboratório) a capacidade de aumento radical de agilidade na resolução e mesmo na prevenção de crimes.
Foram surgindo, no entanto, indicações de limitações da tecnologia à medida em que o uso era intensificado em campo, especialmente na identificação incorreta de indivíduos de certas características e em questões relativas à privacidade e vigilância do Estado. Isso levou os gestores a uma decisão crítica: devemos interromper o piloto (e “perder” o investimento público já empenhado) ou continuar com os testes em campo? Assim emerge o problema: quanto maior o empenho já realizado, maior a dificuldade de se interromper o projeto.
Reconhecer a falácia do custo irrecuperável se mostrou estratégico e vários departamentos de polícia escolheram o caminho menos trilhado – recuar. Eles reconheceram as limitações da tecnologia e redirecionaram recursos para métodos investigativos mais confiáveis, ainda que tecnologicamente menos sofisticados. É preciso dizer que essa decisão, apesar de racional, teve repercussões negativas para a imagem pública e para a carreira de certos gestores, indicando o papel central que a liderança sênior e a cultura da organização desempenham na jornada de adoção de inovações radicais, fundamentais para a geração sustentada de valor.
Luís Guedes é professor da FIA Business School