Internacional

Pacotaço, FMI e bodes na sala: entenda o Plano de Milei para levantar a Argentina

Quatro anos em um mês: acordo com FMI é importante, mas aprovar pacote econômico será decisivo para o restante do governo de Milei & Caputo

Crédito:  Luis Robayo / AFP

O ministro da Economia, Luis Caputo, durante entrevista de quarta-feira (10) sobre o acordo com o FMI (Crédito: Luis Robayo / AFP)

Por Edson Rossi

É de uma obviedade gigante a estratégia de Javier Milei, o novo presidente argentino, para colocar o país nos trilhos. Uma fórmula com dois ingredientes. Fazer o mal de uma vez e o bem aos poucos — como ensinou há 500 anos Niccolò Machiavelli, o Maquiavel. E colocar os bodes na sala para depois tirar alguns na negociação.

Se vai dar certo em quatro anos, ninguém tem como cravar. Mas deu muito certo em seu primeiro mês do governo, coroado na última semana com o anúncio, na quarta-feira (10), do acerto com o FMI e a liberação de US$ 4,7 bilhões (que ainda depende de um OK final do board da instituição). O acordo é um alento, mas não uma solução. E o ministro da Economia, Luis Caputo, sabe bem disso. “Nossos problemas estruturais são o excesso de gastos públicos que levam ao déficit fiscal”, afirmou Caputo em entrevista transmitida ao vivo. “Isso acaba gerando todos os problemas que depois caem sobre a sociedade.”

Por esse motivo é decisiva a aprovação da maior parte do pacotaço enviado por Milei ao Congresso, a Lei Omnibus — 350 páginas com quase 700 artigos e que mais parece uma Reforma de Estado.

Para Vinícius Aleixo, sócio-diretor da Tordesilhas Capital e especialista no que se passa em nossos vizinhos, é onde o mercado estará de olho. “Trata-se do maior ajuste econômico que a gente viu na América Latina nos últimos 30 anos”, afirmou Aleixo. “É uma aposta arriscada, mas as medidas econômicas fazem bastante sentido.”

No pacote há de tudo. De fundamentos liberais (como entregar ao setor privado todas as quase 50 estatais do país, incluindo Aerolíneas Argentinas, Banco Nación, TV Pública e a petroleira YPF) até monstrengos autoritários e totalmente antiliberais (como proibir a reunião de mais de três pessoas em vias públicas). Este, pelo menos, já foi ejetado do texto, segundo a ministra da Segurança de Milei, Patricia Bullrich (ex-candidata à eleição).

O artigo entra no pacote dos bodes na sala. Cortinas de fumaça em troca de ter no parlamento espaço para negociar as mudanças que realmente importam na economia. Caputo foi claro sobre a necessidade de ter a maior parte da lei aprovada pelo Congresso, que é majoritariamente oposicionista.

“Se [a Lei Omnibus] não passar, as medidas que virão serão ainda mais duras e os argentinos sofrerão mais”
Ministro da Economia, Luis Caputo

Entres os compromissos fechados com o FMI estão:
buscar um superávit fiscal de 2% em relação ao PIB (o governo anterior trabalhava com déficit de 0,9%);
e acumular US$ 10 bilhões em reservas até o fim deste ano (eram US$ 2,7 bilhões no fim de 2023).

Tanto o FMI quanto o governo, no entanto, disseram que a situação vai piorar antes de melhorar. O que não é fácil de aceitar num país cuja inflação anual bateu nos 200%.

Mas como o próprio ministro da Economia afirmou, o acordo não traz dinheiro novo. Tanto que a grana liberada agora servirá apenas para quitar dívidas com o próprio fundo.

No meio de 2018, o FMI promoveu o maior repasse de sua história ao emprestar US$ 50 bilhões à Argentina — naquele momento, era o equivalente a 10% do PIB do país. Parte do dinheiro saiu na hora (US$ 15 bilhões), e o restante estava condicionado a metas que nunca foram cumpridas por Buenos Aires. Nem por Mauricio Macri (o então presidente, que tinha Caputo como ministro das Finanças), muito menos pelo governo seguinte, de Alberto Fernández & Cristina Kirchner (2019-2023). Foram torrados US$ 44 bilhões do empréstimo original de US$ 50 bilhões e o FMI fechou a torneira para o restante.

ESTRATÉGIA

Para Vinicius Aleixo, da Tordesilhas, Milei joga pesado agora porque sabe que a estratégia usada por Macri não deu certo. O ex-presidente propôs medidas que iam na direção correta, só que para evitar o estigma de ser um reformista de direita, optou por uma reforma gradual. Deu errado.

Caputo, que era seu ministro, acompanhou tudo de perto. Talvez venha daí a estratégia mais à Maquiavel de Milei. Jogar pesado hoje. Amansar daqui a pouco.

Para Aleixo, o mercado vai esperar um prazo médio, de um a dois anos. “Por ora, vai ficar no modo esperar para ver”, disse. Até porque sabe da fragilidade do governo no Congresso. “Milei tem oito dos 72 senadores e 38 dos 257 deputados, então o nível de incerteza se elas serão aprovadas é alto.

Até mesmo saber se o Milei vai terminar o mandato é uma incerteza grande.” É esse o pântano. Para a atual Argentina, as cartas estão todas à mesa. E o ministro Caputo vai pro all-in. “Éramos um dos países mais importantes do mundo há 100 anos e nos tornamos um país pobre”, disse. “Por quê? Porque perdemos nossa base. Agora queremos reconstruir essa base.”