“Gostaria de ver o Brasil abraçar a IA como a Índia abraçou a tecnologia”, diz Rodrigo Kede, da Microsoft
Por Beto Silva
O carioca Rodrigo Kede é profundo conhecedor e entusiasta da transformação digital. Ocupou postos em importantes companhias globais, nos Estados Unidos, Ásia e América Latina. Foi presidente da IBM Brasil, passou pela Totvs e foi para a Microsoft há três anos e meio na função vice-presidente de corporativo, cargo que inclui o comando dos países latinos da companhia. Em meados de 2023 recebeu a missão de gerenciar também o Canadá e parte do território americano.
É o primeiro brasileiro a assumir uma posição global na empresa, com report direto ao CEO, Satya Nadella. Kede gosta de surfar, mas deixou essa paixão de lado para morar em Nova York e pegar as ondas dos algoritmos.
Formado em engenharia mecânica e de produção pela PUC do Rio de Janeiro, com MBA em finanças e mercado de capitais pelo Insper, também é graduado pela Harvard Business School.
Kede falou nesta entrevista sobre sua visão da tecnologia, o desafio da formação de mão de obra para setor, os benefícios da inteligência artificial e a importância de sua regulação.
DINHEIRO — Como tem sido o desafio de comandar a Microsoft no Canadá e em parte dos Estados Unidos, além da América Latina?
RODRIGO KEDE — É um desafio realmente. De Toronto até Santiago há um longo caminho. Mas é divertido também. Às vezes a gente acha que existe muita diferença entre Estados Unidos, Brasil e outros países da América Latina. Essas diferenças existem, claro, mas encontramos um monte de semelhanças. As Américas, no fundo, falam três línguas majoritariamente: português, espanhol e inglês. A maior questão é a distância geográfica.
Há mais convergências do que diferenças?
O mundo está muito polarizado hoje em dia. Eu sou de uma época em que você tinha um amigo torcedor de um time de futebol diferente do seu e não dava briga, dava gozação. Outro amigo tinha um partido político e não dava briga. Atualmente é difícil. Eu sou uma pessoa de consenso, do 2 + 2 que não dá 4, que dá 6. Tem que pensar na essência. Não é importante no final do dia o partido A ou o partido B. O importante é o País, é a população. Existem muitas coisas em comum e a Microsoft é uma empresa com uma cultura excepcional.
O que destaca dessa cultura?
O livro Hit Refresh, do Satya Nadella, conta a história de transformação pessoal dele e da Microsoft. Ele transcorre sobre essa cultura, que é de sempre simplificar. Havia uma cultura de know it all, de que o executivo tinha de saber tudo. Ninguém sabe tudo. Então temos uma cultura de learn it all. O importante é você estar sempre aprendendo. Satya fala muito do livro Mindset, da Carol Dweck , que ensina a parar de tentar ser perfeito, a não se comparar com os outros e amanhã ser melhor do que hoje. Ir no potencial máximo. Trabalhar em time.
“Para formar profissionais de TI, o mais importante é quebrar a barreira de que tecnologia é uma coisa complicada. As empresas começam a enxergar isso’’
Essa cultura foi o que permitiu a um brasileiro alçar o posto em que você está hoje?
Talvez um ótimo exemplo seja o meu caso, porque não interessa de onde você veio, o seu cabelo, a cor da pele ou o seu idioma. Você é uma pessoa que tem a capacidade de fazer isso? Então é a melhor pessoa para fazer o trabalho.
E como se sente? É um exemplo para a garotada que está vindo, estudando TI e atuando no mercado complexo e competitivo?
Eu gasto muito tempo com isso, porque acho que uma das minhas funções é desenvolver as pessoas, influenciar positivamente, para poder ajudar a inspirar. Porque eu conheço gente que é supercapaz falando que nunca vai conseguir uma posição A ou B. A gente fala de diversidade, de inclusão, e fala de uma forma genuína e não só generosa. Na Microsoft, o importante são os valores, não o zip code em que você nasceu.
A defasagem de mão de obra especializada em TI é crescente. Como observa isso?
Se você olhar o que aconteceu com tecnologia nos últimos 20 anos e o que a gente acredita que vai acontecer nos próximos 20, a demanda por tecnologia, conhecimento, skill em tecnologia, vai continuar crescendo. Dois ou três anos atrás, a tecnologia representava 5% do PIB [global]. Em 2030 vai chegar a 10%. A tecnologia vai virar o maior componente do PIB no mundo. Então temos demanda pesada por alguns skills específicos, principalmente de inovação.
O que precisa ser feito?
Existe falta de recursos [humanos] sim, mas a tecnologia está chegando num ponto em que ela própria vai suprir parte disso. A chave para resolver o problema está em abrir a cabeça para o conceito de reskilling [reciclagem profissional]. Eu conheço vários casos de gente que não conhecia nada de tecnologia e que em dois ou três anos se tornou especialista em cibersecurity. O mais importante é quebrar a barreira de que tecnologia é uma coisa complicada. As empresas estão começando a enxergar isso.
IA está sendo tratada como solução para tudo. Ela vai continuar com essa carga?
A gente fala de IA há muito tempo. Virou uma cadeira numa universidade americana no final da década 1950. No filme 2001 — uma odisseia no espaço [de Stanley Kubrick], de 1968, antes de o homem pisar na Lua (em 1969), o computador de voz interage e toma o controle da nave. Um monte de coisa que você vê lá em 1968 está acontecendo hoje. É visionário. E houve ao longo das últimas décadas vários eventos que trouxeram inteligência artificial para as manchetes. Como em 1997, quando o computador Deep Blue venceu o campeão de xadrez Kasparov.
Uma sequência de ondas?
Houve uma evolução gradual. Em algum momento a gente começou a falar de machine learning, depois em deep learning e recentemente de IA generativa. Houve grandes ondas de mudança em tecnologia. Programação, PC, Era da internet, Era do mobile, do cloud e agora IA. Todas essas ondas de tecnologia eram necessárias para a gente chegar onde estamos. Para ter IAé preciso ferramentas, potência de processamento e o oceano de dados que temos hoje e não tínhamos 20 anos atrás. E eu acredito que essa seja a onda mais disruptiva que a gente vai ter no meu life time.
Por conta das possibilidades da IA, as big techs (Amazon, Apple, Google, Meta e Microsoft) têm batido recordes de faturamento e resultados. É uma onda crescente, de fato, ou corre o risco de arrefecer?
Se você comparar todas as big techs, elas não são iguais. Toda vez que companhias ou indústrias passam a ter muito poder, vem a regulação. É para isso que existe governo, para garantir que a coisa não saia de controle. Se você olhar a história, já teve intervenção em setor de telecomunicações, em ferrovias… Acredito que regulação discutida da forma certa é importante e ela tem de acontecer. O mercado para IA não vai saturar. Toda a tecnologia tem o teu ciclo. IA está no início de um ciclo, eu não tenho ideia do tamanho dele, mas eu sei que ele não é restrito à quantidade de usuários, como na maior parte dessas outras tecnologias mais recentes. É difícil até dimensionar o tamanho da oportunidade de mercado, de progresso da sociedade, mas será gigante.
É possível por meio dessa tecnologia resolver problemas de fome, de questões ambientais e climáticas?
Em todo lugar onde você tem um processo, a inteligência artificial pode ajudar a torná-lo mais apurado e a ter menos ineficiência. A gente tem o projeto PrevisIA [com o Fundo Vale], em que o Imazon [Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia] usa IA para antecipar riscos de desmatamento e impedir futuras perdas para a floresta. Não conheço nenhum problema de processo no mundo que não possa ser melhorado com o uso de inteligência artificial.
E como enxerga o Brasil nesse contexto?
Gostaria muito de ver o Brasil abraçar a IA da mesma forma com que a Índia abraçou a tecnologia. O Brasil devia ser o berço do mundo para crédito de carbono, referência em clima, sustentabilidade, matriz energética… Com a biodiversidade que a gente tem, deveríamos liderar tudo isso. E a IA vai ser fundamental e uma oportunidade para vários países e empresas poderem dar um salto um salto de progresso, de produtividade, de crescimento.
E em que momento a IA pode ser gerar resultado negativo?
Toda a tecnologia tem dois lados. O GPS era uma tecnologia militar. Era tão importante que foi aberto para o público. Tem gente do bem e tem gente que não é do bem, que usa GPS para fazer coisas ruins. O fundamental é ter ferramentas de controle, regulação, para limitar e garantir que o benefício seja imensamente maior do que qualquer risco.
O debate sobre a regulação está na Ásia, na Europa, nos Estados Unidos… Existe algum ponto que você defende?
É um assunto complexo, porque nem todo mundo está no mesmo estágio. Os governos estão em um, a Microsoft em outro, há companhias em patamares distintos e cada um tem seus objetivos, dependendo do perfil do negócio. Não é fácil. O importante é as empresas se juntarem aos governos, com outros setores, para ter discussão séria. Porque todo mundo, no final, quer um mundo melhor. O único fio de interseção que vejo neste momento é o consenso de todos trabalharem juntos para dar certo.
Entre as novas tecnologias, tivemos o metaverso, que bombou no início e depois perdeu fôlego. O que aconteceu?
Vejo algumas restrições pessoais no metaverso da forma como todo mundo estava falando, de ter uma agência de banco, comprar uma casa… Tenho certa dificuldade, pois prefiro fazer uma reunião presencial ou por plataforma de vídeo do que estar numa sala virtual com os bracinhos agindo e a gente conversando. Talvez demore um tempo para a gente ver essa tecnologia ser aplicada em tudo. Tem um tempo de maturação.
”É fundamental ter ferramentas de controle, regulação, para limitar e garantir que o benefício [da IA] seja maior do que qualquer risco’’
Como você usa a tecnologia no dia a dia?
Sou aficionado por tudo que liga na tomada. Se alguém tocar a campainha da minha casa, toca aqui no meu celular também. Abro a câmera e consigo abrir a porta. Deitado, fecho a cortina do quarto. São confortos. Importantes? Não! Divertidos? Sim! E uso o copilot [recurso de IA da Microsoft integrado aos principais aplicativos de produtividade]. Saí de férias em agosto e depois de duas semanas entrei no computador. Perguntei sobre os e-mails enviados pelos meus chefes e se neles havia algo importante. Tive uma resposta detalhada sem abrir os e-mails e soube de tudo que me foi enviado. Outro exemplo, peguei 300 páginas do meu Imposto de Renda americano e pedi para criar apenas cinco páginas, com comentários. A ferramenta não só sumariza, mas entende os relatórios e as caixas com números. Pedi para criar um PowerPoint. Isso é revolucionário pelo lado da produtividade.
Onde vai estar a Microsoft daqui a 10 anos?
A tecnologia pode, sim, fazer um mundo melhor. É uma forma brilhante de definir o nosso papel. Lideramos grande parte dessa agenda para definir padrões e os outros seguirem. Quero daqui a uma década olhar para trás e ver a Microsoft como uma empresa que trabalhou para fazer esse planeta mais justo e as pessoas mais saudáveis.