Os impactados pelas mudanças climáticas não estarão no mercado de carbono
Por Raphael Vicente
Chegamos ao tão aguardado ano novo, um aguardado novo ciclo de esperança e de dias melhores. O problema é que com ele, historicamente, seguem-se as fortes chuvas de verão as quais nos lembram do nosso passivo climático.
As mudanças do clima causam eventos extremos, os quais se somam aos desafios já impostos pelas desigualdades sociais, econômicas, de saúde, entre outras, potencializando-as e sacrificando ainda mais as pessoas atingidas, ou seja, na grande maioria das vezes pessoas que já estão nas franjas sociais. No Brasil, leia-se pobres e negros, com ênfase quanto aos negros que são maioria entre os pobres e ainda sofrem com o estigma do racismo.
Além disso, a pobreza também é um definidor de acesso a territórios, relegando pessoas menos abastadas aos locais mais desassistidos e desestruturados das cidades, sendo estes as primeiras vítimas de todo tipo de desastres.
Os eventos climáticos extremos vivenciados em vários estados brasileiros em 2023 demonstram a urgência do tema. O Estado precisa assumir rapidamente a condução do processo de transformação, sendo que os resultados dos nossos débitos com o meio ambiente são evidentes e cobram um preço alto justamente daqueles que menos têm condição de quitá-los.
“O Estado precisa assumir rapidamente a condução do processo de transformação. Os resultados dos nossos débitos com o meio ambiente são evidentes e cobram um preço alto justamente daqueles que menos tem condição de quitá-los”
A sustentabilidade não tem como finalidade primeira a governança ou o crédito de carbono, mas as gerações futuras, ou seja, as pessoas, as quais, por vezes, são deixadas de lado. Por exemplo, 98% dos investidores brasileiros dizem que relatório corporativo de sustentabilidade contém informações não comprovadas ou suportadas por ações ou fatos, segundo a Pesquisa Global com Investidores 2023 da PwC. No contexto mundial, esse índice de percepção é de 94%.
Até agora, em relação aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), apenas 15% dos compromissos corporativos assumidos foram cumpridos, sendo que faltando menos de sete anos para o término do prazo, 2030, é bastante improvável o cumprimento de muitas das metas estabelecidas.
Por aqui, ainda nem resolvemos o problema da universalização do saneamento básico e estamos implementando o mercado de carbono. O Brasil pode ser um protagonista mundial quanto a questões do clima, mas dessa vez precisará encerrar de uma vez a cisão existente na sociedade, principalmente a racial, ou seja, não pode haver uma pequena parte da sociedade que compra e vende créditos de carbono e outra, composta pela grande maioria, que suporta todos os efeitos terríveis da emissão do carbono.
Não haverá transição energética, economia descarbonizada e desenvolvimento social sustentável para ninguém, muito menos para as futuras gerações, se insistirmos na ideia de um Brasil de brancos abastados e outro de pobres, negros e quem sobrar.
O desafio climático que cada vez mais se aproxima, se não for enfrentado de forma responsável e coletiva, corre o risco de tornar-se insuperável, e, possivelmente, uma catástrofe humana sem precedentes.
Que nesse ano que se inicia consigamos alterar rapidamente o curso da história, caminhado com firmes passos em direção a um desenvolvimento econômico sustentável e a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.
Raphael Vicente é Diretor Geral da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial. Advogado, Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Professor e diretor Geral da Universidade Zumbi dos Palmares