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Futebol e receitas enxutas: a fórmula da Castelões para chegar aos 100 anos

Na ativa desde 1924 no mesmo endereço no paulistano bairro do Brás, a pizzaria da Família Donato resiste ao tempo — e aos modismos

Crédito: Caio Guatelli

Fabio Donato, da terceira geração de donos, segura uma pizza sabor Castelões, a mais pedida da casa — muçarela, linguiça artesanal e molho de tomate (Crédito: Caio Guatelli)

Por Letícia Franco

Na cidade que ergue e destrói coisas belas (a cada minuto), a fórmula da longevidade é simples: uma massa leve com borda alta e macia, mais uma cobertura de poucos ingredientes. Parece pouco? Pois é essa a receita da Cantina e Pizzaria Castelões, que resiste ao tempo e completa 100 anos sempre no mesmo endereço, na Jairo Góis, rua de um quarteirão no bairro do Brás, em São Paulo. Ir até a Castelões é garantia de uma viagem pelo tempo e pela história. Mais: é uma deliciosa obrigação cívico-gastronômica.

Fundada em 1924 por Ettore Siniscalchi, numa cidade que tinha cerca de 600 mil habitantes e na qual um a cada quatro deles era italiano, abrir um negócio à mesa tinha tudo para dar certo. E deu. “É preciso mudar, se adequar às tendências, mas sem perder a origem”, afirmou à DINHEIRO Fabio Donato, 51 anos, o dono e, acima de tudo, o pizzaiolo — o cargo máximo naquelas paredes.

Ele é da terceira geração da família que desde os anos 1940 está no comando do endereço. Ao contrário do que narra a maioria das reportagens sobre a pizzaria (de que foi fundada apenas por Ettore), Fabio diz que seu avô (Vicente) já era um sócio. Ele quer narrar a biografia do avô e afirma ter encontrado documentos mostrando essa presença desde os anos 1920. O fato é que a casa teve além dele apenas três nomes à frente: Ettore Siniscalchi, Vicente Donato e João Donato (filho de Vicente e pai de Fabio).

Num lugar tão carregado de memórias, o chiaroscuro entre o que é verdade e o que é lenda se misturam deliciosamente, como os ingredientes das pizzas que saem de seu eterno forno.

Uma dessas histórias é de que ali nasceu a expressão de que tudo “acaba em pizza”. Na ocasião, há umas seis décadas, os dirigentes do Palmeiras se reuniram para discutir uma crise do clube. Depois de 14 horas, a fome bateu e eles encerraram as disputas à base das redondas. No dia seguinte, o jornalista Milton Peruzzi, que cobria as notícias do time para o jornal A Gazeta Esportiva, definiu o episódio em uma manchete: “Crise do Palmeiras acaba em pizza”.

DESDE A INFÂNCIA

O futebol, aliás, está intrinsecamente ligado à história da Castelões. Depois de jogos amadores que ocorriam no bairro do Brás, as confraternizações eram acompanhadas de comilança: antepastos, bisteca à fiorentina e pizzas — somente de muçarela e aliche, opções que podem ser encontradas no menu até hoje.

A fama dos deliciosos encontros se espalhou instantaneamente. “O futebol criou a pizzaria, seja pelos encontros ou simplesmente pela paixão”, disse Donato. Ele está à frente da administração da casa desde 1988, embora o envolvimento tenha começado muito antes, quando seu pai (que morreu em 2014) o levava ainda aos 4 anos para ajudar no preparo das linguiças artesanais servidas nas pizzas ou como entradas.

São essas linguiças a base da estrela do cardápio e recordista de pedidos, a pizza Castelões, que carrega o nome da casa e virou símbolo pela cidade — a premiada rede Bráz, criada em 1998 e com sete unidades em São Paulo, mais Campinas (SP) e Rio de Janeiro, é homenagem declarada tendo no cardápio, inclusive, uma versão da Castelões com esse mesmo nome. Leva:
muçarela,
fatias de linguiça calabresa artesanal de fabricação própria,
e molho de tomate fresco.

“É a pizza que mais sai, sem dúvidas. De dez, nove são Castelões, sejam inteiras ou meias”, disse Donato.

SEGREDOS

Afora uma novidade ou outra, pouca coisa entra no cardápio, que mal mudou ao longo das décadas. Tudo em respeito ao público. Até aquelas que Donato não gostaria tanto de fazer, como a Portuguesa, que foi a última a ser inserida nas opções da casa, no início dos anos 2000.

Esse sabor era, na verdade, uma torta em Portugal e se tornou pizza no Brasil. “De qualquer forma, minha cobertura segue com ovo cru, como era feita na Europa”, afirmou ele.

Para o chef pizzaiolo, os ingredientes secretos do longevo estabelecimento são “a perseverança e o respeito aos produtos e clientes”. O apreço aos ingredientes está atrelado à máxima de menos é mais.

“Tudo em excesso é ruim, inclusive na pizza. Uma boa cobertura é feita com até quatro ingredientes para encontrar o equilíbrio ideal. Passou disso é recheio de torta.”
Fabio Donato, dono e pizzaiolo da Castelões

No cardápio, está notório nos 18 sabores de pizzas. Simples e deliciosas.

Comemorar 100 anos teve como ponto mais difícil atravessar a pandemia. “Até 2020, tínhamos uma equipe de 12 funcionários e abríamos todos os dias no almoço e no jantar. Com a pandemia, fomos perdendo mão de obra”, disse Donato. Desde dezembro de 2020, a Castelões passou a operar de terça-feira a domingo, das 18h às 23h30.

A atual equipe é composta por três veteranos: garçons que estão na casa desde a década de 1980 e o gerente, há mais de 20 anos na função.

No forno de 100 anos, que passa por reparos periodicamente, um único pizzaiolo: Fabio Donato. E numa das prateleiras de madeira atrás do balcão, há a indefectível placa com um recado em napolitano: Ccà nisciuno è fesso (“Aqui ninguém é bobo”). Fato. Que a Castelões colecione outro centenário!