Economia

O drama das cidades brasileiras: falta verba, sobra catástrofe

Com previsão de mais desastres climáticos em 2024, prefeitos montam cerco em Brasília para pedir socorro ao governo Federal. Em dez anos, os gastos com emergências superam R$ 428 bilhões

Crédito: Alexandre Maretti

Eventos climáticos têm ficado mais recorrentes e municípios não tem para onde correr (Crédito: Alexandre Maretti)

Por Paula Cristina

Temporais, enchentes, calor excessivo, deslizamento de terra, surtos de dengue. Raios, ventanias, queimadas. Com o tamanho continental do Brasil não é difícil ver notícias de todos esses fenômenos ao longo do ano. Com as mudanças climáticas os eventos têm ficado mais recorrentes e exigido dos municípios, já sucateados pela falta de independência (e muitas vezes competência) financeira, uma resposta cada vez mais rápida. Entre 2013 e 2023 foram gastos R$ 428 bilhões com reparação de incidentes ou acidentes climáticos, e esse número não vai parar de crescer. Ao todo, 93% dos municípios tiveram episódios da calamidade pública e, só com habitações destruídas, foram gastos mais de R$ 26 bilhões nos últimos dez anos.

“Os municípios estão praticamente sozinhos, na ponta, para socorrer a população. Não há apoio”, disse o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski.

Em 2024, os impactos do El Niño exigirão ainda mais atenção. Segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (Cemaden/MCTI), os eventos graves relacionados ao fenômeno devem se estender até o fim do verão, o que deve custar R$ 72 bilhões.

Em 2023, houve desequilíbrios climáticos em todo o País.

• A região sul enfrentou um ciclone extratropical que atingiu centenas de cidades.
• O Amazonas sofre a sua maior seca em 43 anos.
• Centro-Oeste e Sudeste bateram recordes de temperatura, com sensações térmicas superando os 50 ºC no Rio de Janeiro.
• Segundo o secretário nacional de Proteção e Defesa Civil, Wolnei Wolff, no ano passado, 2.797 municípios (ou 50,2% do total) tiveram ao menos uma emergência climática.

Segundo o secretário, que trabalha no Ministério das Cidades, em 2023 foram destinados R$ 4,7 bilhões para risco geológico e R$ 10 bilhões para hidrológico, o que não bastou para o volume de incidentes. “Foi pouco recurso porque, segundo os mapeamentos do Serviço Geológico do Brasil, temos 10 milhões de pessoas morando em área de risco no Brasil. Os desastres serão ainda mais intensos e frequentes”, disse Wolff.

Este ano os recursos saltaram para R$ 21 bilhões e R$ 9 bilhões, respectivamente, mas ainda podem ser insuficiente, a depender do tamanho e da frequência dos problemas.

Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro (Crédito:Zô Guimaraes)

“As chuvas não são novidades no Rio de Janeiro, mas os problemas vão se acumulando porque o volume aumenta ano a ano.”
Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro

PREFEITOS REAGEM

Em ano eleitoral a perspectiva de desastres naturais não é boa para nenhuma candidatura, então os prefeitos têm corrido a Brasília para garantir algum recurso extra. O projeto mais avançado está atualmente na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, e envolve o Projeto de Lei Complementar (PLP 35/2022), do senador Esperidião Amin (PP-SC).

O texto define mecanismos para compensar dívidas de estados e municípios com a União. E a bucha será grande para o esforço fiscal de Fernando Haddad, já que o objetivo é abater da dívida com a União recursos investidos por prefeitos e governadores para infraestrutura, em especial as que têm objetivo de diminuir o impacto dos desastres naturais. “Nada mais justo que descontar esses valores das dívidas com a União”, disse Amin.

93% das cidades
entraram em calamidade na última década

68% dos prefeitos
não têm recurso para o custeio da máquina

Um dos municípios que está na briga contra os desastres climáticos é o Rio de Janeiro. O prefeito Eduardo Paes colocou a cidade em estado de emergência no começo de janeiro em função das fortes chuvas — 12 mortes já foram confirmadas em decorrência de enxurradas e alagamentos. “As chuvas não são novidade no Rio de Janeiro, mas é evidente que os problemas vão se acumulando porque o volume aumenta ano a ano”, disse Paes.

O governador do estado, Cláudio Castro, interrompeu as férias e voltou para o Rio. Ele liberou R$ 6,8 bilhões para reparos e ações preventivas para as próximas semanas. O recurso virá dos municípios, do estado e do governo federal. “Não há chuva do município, do estado ou do governo federal. O momento é de trabalharmos com integração para entregarmos resultados com agilidade aos moradores de cada cidade atingida”, disse.

Uma das demandas foi a liberação de mais de R$ 730 milhões do Novo PAC para o projeto de controle de inundações e recuperação ambiental das bacias do rio Iguaçu-Botas e do rio Sarapuí. A resposta do ministro do Desenvolvimento e Integração Nacional, Waldez Góes, é que haverá o suporte.

Senador Espiridião Amin (Crédito:Sergio Lima)

“A União precisa abater na dívida dos estados e municípios os gastos com obra de infraestrutura. Nada mais justo.”
Espiridião Amin, senador (PP-SC)

SAÍDA QUE NINGUEM QUER

Para o professor de gestão ambiental em políticas públicas Sérgio Mariano, da USP, essa ação dos governos se assemelha a enxugar gelo. “Agora é preciso liberar o recurso e gastar. Não há o que fazer neste momento”, disse.

A solução ideal, na avaliação do especialista, passa por uma mudança que os prefeitos e governadores fingem não existir: a unificação de municípios pequenos. “Ao unir Orçamentos há uma capacidade muito maior de invstimento integrado em medidas que diminuam o impacto dos efeitos climáticos”.

Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (Crédito:Alan Marques)

“Os municípios estão praticamente sozinhos, na ponta, para socorrer a população.”
Paulo Ziulkoski, presidente da CNM

Ele cita como exemplo o desvio da curva de um rio e obras de aprofundamento para acomodar mais água. “Se um rio corta dez cidades e dois estados, quem paga?”. Hoje o governo federal. “Se houvesse a formação de cidades maiores divididas por distritos haveria, além do interesse em comum, o recurso dividido.”

O caminho da autonomia, segundo ele, passa por criar blocos demográficos maiores e divididos de modo planejado.

Segundo dados do Ipea e da Firjan, 68,2% dos municípios estão atualmente em situação financeira considerada crítica ou difícil, sendo 30% sem condições de arcar com as próprias despesas obrigatórias. É como um El Niño eterno, bagunçando as finanças e afogando as cidades em dívidas.