O cenário é tão bom que se melhorar… melhora
Por Norberto Zaiet
O ano começa com uma expectativa de seis ou sete cortes de juros pelo Fed ao longo dos próximos meses — o primeiro possivelmente já agora em março —, inflação contida e em queda, desemprego nas mínimas históricas, PIB crescendo acima do esperado e com o principal índice de bolsa americana, o S&P 500, cruzando as máximas históricas.
Apesar de tudo isso, os players do mercado, na sua maioria, sofrem uma espécie de síndrome do impostor: estamos aqui e está tudo muito bom, mas a verdade é que não merecemos estar. A sensação é ruim, como se tudo pudesse mudar de uma hora para outra. Como escreveu Belchior em ‘Como Nossos Pais’, canção imortalizada na voz de Elis Regina: “Cuidado, meu bem, há perigo na esquina”.
De fato, há uma série de perigos por aí: econômicos (especialmente fiscais), políticos, geopolíticos — nem vale a pena repeti-los. Esperando que viessem a incomodar durante 2023, muitos gestores ficaram assistindo de forma passiva, deixando o dinheiro dos clientes fora de perigo no oásis do mercado de Treasuries a 5% ao ano. Perderam feio, considerando que qualquer ETF que seguisse o S&P 500 rendeu perto de 25%. Às vezes, assistir sem participar custa. E muito.
O que se viu nos últimos dois meses do ano e agora, em janeiro, é um esforço para recuperar o tempo perdido. Quem comprou small caps em novembro e dezembro (papéis com liquidez mais reduzida e, portanto, mais fáceis de subir com volume) tentando reverter ao menos parte da falta de performance de um ano inteiro, está colocando tudo à venda agora e correndo atrás de Nvidia e afins. Argumentam que um múltiplo de 30 vezes P/E é baixo para o único provedor de chips e ambiente de suporte para IA, pelo menos até agora. Cinquenta e sete analistas, segundo a Bloomberg, dão recomendação de compra para o papel, com preço alvo médio de US$ 660, ou seja, 10% de valorização — considerando o preço de fechamento do dia 19 de janeiro. Há gente que põe o papel acima de US$ 1.000 em dezembro de 2024.
O fato é que, hoje, o setor de tecnologia corresponde a aproximadamente 30% do S&P 500, contra 23% em 2019. Todos os outros setores perderam importância relativa. A sensação da síndrome de impostor vem daí: a última vez que o setor de tecnologia ocupou um espaço tão relevante no índice foi em 1999. Sabemos bem o que aconteceu depois.
A história não necessariamente se repete, mas a sensação de que o mercado está surfando em gelo fino é real. É por isso que as próximas semanas e meses serão decisivos. Se a expectativa de corte de juros pelo Fed se materializar, as maiores beneficiárias serão as empresas mais alavancadas e que precisam refinanciar seu passivo, ou seja, small e mid caps. O índice que engloba esses papéis, o Russell 2000, deveria sair do bear market em que ainda se encontra e se aproximar da performance dos seus ‘primos’ mais abastados. Caso isso não aconteça, a sensação de perigo tende a aumentar cada vez mais.
Condição necessária para isso é que a inflação continue em queda: quem tem inflação a 2% não precisa de juros a 5,25%. E o mercado já fez o trabalho, ao menos parcialmente, para os banqueiros centrais. Tudo isso, ao final, desemboca em aumento das margens de lucro nas próximas safras de balanço.
Em sua última conferência de imprensa, em dezembro, Jerome Powell [presidente do Fed] saiu-se com esta: “O motivo pelo qual você não deveria esperar a inflação chegar a 2% para cortar juros é porque aí já vai ser muito tarde. Você deveria estar reduzindo restrições bem antes de 2%”. Por essas e outras, tudo está tão bom que se melhorar, melhora. A redução do QT [política monetária contracionista] e a subsequente sinalização de quedas de juros, pequenas e cirúrgicas para não empurrar a economia para uma recessão, deverão ser o gatilho.
Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York