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Um novo ‘decoupling’ S&P500 e Ibovespa?

O excepcional desempenho do mercado americano está relacionado à IA

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Vitoria Saddi: "Estamos diante de uma nova revolução, da IA, que deve em poucos anos mudar a forma como nos comunicamos, fazemos tarefas rotineiras, estudamos e vivemos" (Crédito: Divulgação)

­Por Vitoria Saddi*

A performance do mercado de ações é um previsor bastante acurado do desempenho presente e futuro de uma economia. Em geral, as economias, em diferentes graus, seguem e acompanham a economia americana. No primeiro mês do novo ano, entretanto, tivemos um comportamento diferente nos mercados do Brasil e dos Estados Unidos. Enquanto os dois maiores índices americanos (Nasdaq e S&P500) atingiram recordes históricos em janeiro e cresceram respectivamente 6% e 4% no primeiro mês de 2024, o Ibovespa em igual período postou uma queda 5,66% até dia 22 de janeiro. O objetivo deste artigo é elencar as causas deste ‘Decoupling’ e argumentar acerca do aprofundamento do mesmo ao longo do ano.

A situação fiscal do Brasil tem apresentado uma piora significativa nos últimos meses. O déficit primário deve chegar a cerca de 2% do PIB em 2023 em contraste com o superávit primário registrado de 1,25% em 2022. O Tribunal de Contas da União emitiu um alerta de que as receitas previstas no Orçamento da União para este ano estão superestimadas em cerca de R$ 55 bilhões. O próprio presidente Lula já enfatizou que não quer déficit zero e irá recorrer à estratégia de aumento de gastos para evitar a esperada queda de crescimento do PIB, de cerca de 2,9% em 2023 para 1,5% neste ano. Um exemplo disso é a anunciada política industrial, principalmente através do BNDES, que vai alocar cerca de 300 bilhões até 2026 em financiamentos subsidiados à indústria. Isso é tanto mais preocupante quando lembramos que a condição de estabilidade da relação dívida/PIB é um superávit primário de 2,5% do PIB. Valores inferiores irão piorar tal relação que terminou novembro/23 (último dado disponível) em 73,8%. Se adicionarmos a piora fiscal de dezembro o número deve bater perto de 75%.

Nos Estados Unidos a situação fiscal não é alentadora ou mesmo pode sinalizar melhora em 2024. Segundo o Congressional Budget Office (CBO), a relação dívida/PIB atingiu a máxima histórica de 130%. O conceito de déficit primário é importante pois ele mede a diferença entre receitas e despesas sem adicionar o gasto com juros, refletindo o descompasso estrutural entre o volume de dinheiro que o governo arrecada a cada ano (basicamente via impostos) e o quanto custa para o governo oferecer em bens e serviços. Segundo o CBO o déficit primário deve atingir 2,9% do PIB em 2023 e subir para 3,4% em 2024. Em 2033 o déficit deve apresentar leve queda para 3,2% caso medidas de contenção de gastos sejam anunciadas pelo novo presidente a ser eleito este ano.

Nesse sentido, vale fazer um rápido parênteses. Comparar a situação fiscal do Brasil e dos EUA e afirmar que a situação é mais preocupante naquele país do que no Brasil devido ao maior déficit primário (ou maior relação dívida/PIB) é errado. Nesse contexto, o que importa é que o mercado de títulos americanos é o maior do mundo, sendo parte significativa das reservas internacionais da maioria dos países do mundo, pois são chamados de ativos ‘livres de risco’. O mundo compra títulos do tesouro americano. Apenas o Brasil e alguns parcos e poucos investidores estrangeiros detêm títulos brasileiros.

Se a situação fiscal em ambos os países é igualmente ruim, por que o desempenho da bolsa americana é tão superior no corrente ano? A razão para o excepcional desempenho do mercado americano continua relacionada às elevadas expectativas quanto ao uso generalizado da inteligência artificial nos negócios das chamadas ‘sete magnifícas’. O próximo pacote Office (Microsoft) promete acoplar IA aos processadores de texto. Os smartphones da Samsung para 2025 prometem usar IA em todos os aplicativos. As pesquisas nos navegadores da Google estão cada dia mais rápidas devido ao uso de IA. O uso de deepfake em eleições e demais eventos públicos é preocupante e também é um produto de IA. Falei e reafirmo que estamos diante de uma nova revolução, da IA, que deve em poucos anos mudar a forma como nos comunicamos, fazemos tarefas rotineiras, estudamos e vivemos. Em parte porque a revolução da IA está ainda muito concentrada nos EUA e na Ásia, os mercados financeiros destes países devem apresentar crescimento significativo em 2024 e não serão acompanhados por mercados emergentes como o Brasil.

*VITORIA SADDI é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. Também foi professora na California State University, na University of Southern California e no Insper. É PhD em economia pela University of Southern California.