Uma lição cívica nas mãos de 594 brasileiros
Pedir para que o os 513 deputados e 81 senadores olhem para a Nação é apostar que a solução está na MegaSena — mas é o que temos para hoje
Por Edson Rossi
Uma farra fiscal está em curso e talvez o esforço quase quixotesco de Fernando Haddad e Simone Tebet não seja suficiente para impedi-la. Porque há um caldeirão de ingredientes contra eles e seus melhores quadros. Nessa Festa de Babette invertida, em volta do fogo há de tudo. Mas especialmente três categorias de profissionais: boa parte do Executivo; quase a totalidade do Congresso; um naco do topo do Judiciário, de Brasília aos estados. Para essa trinca, parece que o dinheiro público pode seguir ritos privados. Nem falo de embolsar o dindim — apesar de muitas vezes, em última instância, ser isso o que acontece. Falo de muitas vezes se torrar a grana pública movidos por valores elevados (aqui vale a forte explicação de que trago a palavra ‘valores’ no sentido moral, não financeiro). Ou seja. Muitos desses senhores e senhoras decidem o que decidem de fé, não por má-fé. Mais verba pra educação! Opa, por que não? Mais orçamento para obras! Que mal há? Mais caixa pro projeto que vai resgatar a indústria! Como não?
Esse universo psíquico fez o Brasil abrir um rombo de R$ 230,5 bilhões em seu resultado primário do ano passado, déficit de 2,1% em relação ao PIB. Aí vem o ministro e diz que é preciso tirar da conta os R$ 92,4 bilhões do pagamento de precatórios. Há dois problemas com essa explicação que não caberia num roteiro de filme fajuto. O primeiro é que a aritmética contábil mais rudimentar não consegue abstrair R$ 92,4 bilhões. Como se faz? Finge que eram notas do Banco Imobiliário? Citei este e não Angry Birds porque num o dinheiro é de mentirinha e noutro ele é bem real. O segundo problema é que mesmo tirando da jogada essa montanha de dinheiro o déficit ficaria em 1,3% — 30% acima do projetado pelo governo. Se você é um C-Level e comete um erro de 30% está fora. Se é abaixo disso nem promovido será. Fiz uma conta mequetrefe. Se pegarmos os R$ 230,5 bilhões em notas de R$ 200 (que medem 14,2cm) e colocarmos em fila, vai dar 164 mil quilômetros – coisa de quatro vezes a circunferência da Terra. E o problema é que em 2024 a bomba vai seguir acionada.
Nosso Congresso custa 0,12% do PIB. O dos EUA, uma fração disso. No nosso Judiciário é igual
‘Ah, mas países não quebram’, dizem os economistas das novas teorias. Não. Quem quebra são as empresas. As famílias. E as pessoas. Em especial as mais pobres num país que já tem seu contingente de pobre nas alturas. Há três semanas, numa reportagem de capa da revista DINHEIRO, a editora Paula Cristina mostrou com dados essa voracidade por dinheiro. Em três exemplos, todos tirados de sua apuração.
A) Executivo. Felipe Salto, que presidiu o Instituto Fiscal Independente (IFI) e hoje na Warren Rena, diz que adotar a revisão de políticas de indexação e correção automática de salários e remunerações do funcionalismo federal poderia diminuir o custo da máquina pública em mais de R$ 150 bilhões em dez anos.
B) Legislativo. Paula traz dados de um estudo das universidades de Iowa, do Sul da Califórnia e de Brasília (UnB) a pedido do Banco Mundial. Nele se conclui que em 2021 cada um dos 513 deputados e 81 senadores brasileiros custou US$ 5 milhões por ano (R$ 25 milhões). Neste ano, a despesa com pessoal no Congresso deverá equivaler a 0,120% do PIB. Nos Estados Unidos, representa 0,017% do PIB – na gringa é um sétimo perto dos trópicos.
C) Judiciário. Segundo estudo da FGV-Rio, com o Banco Mundial, o Brasil gasta 0,7% do PIB com a Justiça. A Alemanha gasta 0,32%. A Itália, menos (0,19%). Os EUA, ainda menos ( 0,14%). Auxílio-moradia, auxílio terno, auxílio livro, recursos esses que não estão sujeitos ao IR e contribuição previdenciária. Em 2021, das 54 autarquias pesquisadas, 50 furavam o teto salarial. É ilegal? Não. É imoral?
É evidente que nesta semana em que o Congresso vai tentar reaver para suas emendas os R$ 5,6 bilhões cortados por Lula o tema da gastança volte à baila. Ele é urgente. É necessário. E de alguma forma a sociedade e seus setores produtivos precisam pressionar para que o Congresso Made in Brazil faça o que os pais ou os avós de boa parte de nós fez: ensinar a sermos gente direita e que faz o certo.