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Como responder aos protestos dos agricultores na Europa?

Principal ator do Mercosul, Brasil pode reverter visão negativa com transparência e cooperação, além de reforçar compromissos sustentáveis. Mas não é só isso

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Roberta Zuge: "Criar diálogo construtivo com críticos e reforçar compromissos sustentáveis na pecuária pode ajudar a melhorar a percepção internacional" (Crédito: Divulgação)

Por Roberta Zuge

O acordo entre o Mercosul e a União Europeia é um tratado de livre comércio entre os países dos dois blocos que visa reduzir ou eliminar tarifas em produtos e serviços entre as partes. Abrange diversos segmentos, como agricultura, indústria e serviços, buscando promover maior integração econômica e facilitar o comércio bilateral. O objetivo é tornar os produtos sul-americanos mais atrativos para os países da União Europeia e vice-versa.

As negociações deste acordo se iniciaram em 2000, e o tratado foi assinado em 2019. Apesar de haver vantagens para ambos os lados, o processo de ratificação ainda está em andamento, e alguns pontos podem ser ajustados durante esse período. Desde o final das negociações, várias nações do bloco europeu declararam insatisfação. Holanda, Áustria, Alemanha, Irlanda e França declaram publicamente seus descontentamentos. Outros governos, que não se opuseram diretamente ao acordo, expressaram fortes reservas, como Eslováquia, Bulgária, Lituânia, Luxemburgo e Romênia.

Eles estão em desacordo com pontos relativos às preocupações ambientais, questões de responsabilidades sociais e até sanitárias. Há debates sobre a necessidade de reforçar as medidas de proteção ambiental, especialmente em relação à Amazônia, e garantir que o comércio não contribua para práticas que possam prejudicar o meio ambiente. Somam-se aspectos ligados a padrões trabalhistas e direitos humanos, que estão sendo discutidos para assegurar que o acordo promova benefícios sociais e sustentáveis para as duas regiões.

Entre os fatores de maior controvérsia está o aspecto alimentar do acordo, que desencadeou a recente onda de protestos, amplamente divulgados. O projeto de 2019 prevê quotas de importação para determinados produtos alimentícios sem taxações aduaneiras. Em números: 180 mil toneladas para açúcar, 60 mil toneladas de arroz, 100 mil toneladas para aves, 99 mil toneladas para carne bovina e 25 mil toneladas de carne suína. Em troca, os países europeus também poderão exportar produtos isentos de impostos para o Mercosul: vinhos, bebidas espumantes, chocolates, biscoitos, azeite, batata congelada, frutas frescas (maçã, pera, nectarina, ameixa e kiwi), pêssego e tomate em lata, entre outros. Para produtos industriais, o acordo também prevê a eliminação gradual de impostos sobre automóveis (35%), peças de reposição (14% a 18%), equipamentos industriais (14% a 20%), produtos químicos (até 18%), vestuário (até 35%) e produtos farmacêuticos (até 14%).

No epicentro das manifestações na Europa está a entrada de produtos agroalimentares oriundos do Mercosul. Para o setor agrícola de diversos países do bloco europeu, há uma competição desleal, já que os produtores locais devem cumprir normas mais rigorosas que os sul-americanos. É o caso da utilização de antibióticos como promotores de crescimento em animais de criação. Proibida na UE desde 2006, essa prática é autorizada nos países do Mercosul. No Brasil, apenas alguns antibióticos são proibidos. A organização francesa Confédération Paysann alega que a importação de gado do Mercosul oriundo de grandes confinamentos colocaria em risco a sustentabilidade do produtor francês. Essa também foi a argumentação do presidente francês Emmanuel Macron. A maioria dos países do bloco europeu é a favor do acordo. No entanto, entendem que a rastreabilidade dos produtos precisa ser demonstrada.

O Brasil, principal ator do Mercosul, é também o maior foco das manifestações. Para reverter notícias negativas em relação a práticas de preservação ambiental e de responsabilidade social, é preciso evidenciar o cumprimento de medidas por meio da transparência e cooperação. Criar diálogo construtivo com críticos e reforçar compromissos sustentáveis na pecuária pode ajudar a melhorar a percepção internacional. Programas de certificação e rastreabilidade aumentam a confiança na procedência. Além disso, oferecem uma maneira tangível de comprovar o cumprimento de padrões elevados, abordando preocupações específicas, como a pecuária sustentável.

O Brasil possui belos modelos de responsabilidade social, em especial por cooperativas que permitem o crescimento e desenvolvimentos se seus associados. Poucas são as instituições que exploram esse lado positivo, demonstrando a origem dos produtos.

*Médica veterinária e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), organização da Sociedade Civil, criada em 2011 com o objetivo de discutir temas relacionados à sustentabilidade da agricultura.