Entenda a guerra de narrativas que Haddad e Lira travam sobre a agenda econômica
Arthur Lira e Fernando Haddad assumem a linha de frente na batalha pelo protagonismo na agenda econômica e, não importa quem vença, os reflexos serão sentidos na atividade brasileira
Por Paula Cristina
Há hoje em Brasília dois discursos antagônicos em voga.
De um lado, o time que defende que o suporte do governo a setores estratégicos dá estrutura para a reativação da economia, gera empregos e renda ao brasileiro.
Do outro, que a defesa pela menor participação do governo em renúncias fiscais e aumento proporcional dos impostos para compor a arrecadação perdida nos últimos anos é o que vai garantir que a atividade econômica cresça de forma saudável.
Por trás de cada uma das afirmações, dois atores importantes no jogo dos Poderes.
• Arthur Lira, presidente da Câmara,
• Fernando Haddad, ministro da Fazenda.
Em uma leitura rasa, Lira, um alagoano do Partido Progressista, que se define como liberal em sua biografia, poderia ser o dono do discurso por menor participação do Estado e mais liberdade do mercado.
Haddad, nascido e criado no berço petista, talvez defendesse o apoio do governo aos empresários como forma indireta para elevar o emprego e a renda.
Mas o Brasil não é para amadores. A defesa da Fazenda é que sejam interrompidas as benesses que se tornaram muletas para grandes empresários, enquanto o presidente da Câmara entende que a manutenção dos benefícios é o único caminho para atravessar essa fase de baixo crescimento econômico.
Com troca de farpas públicas e poucos sinais de acordo, o início do segundo ano do governo Lula III começa com muitas incertezas. Qual agenda econômica prevalecerá?
Sem essa resposta definida, a pressão do tempo também cobra seu preço. Com as eleições municipais marcadas para outubro, toda agenda de votações do Congresso corre mais rápido, uma vez que muitos deputados partem para seus redutos eleitorais na época do pleito.
Com isso tudo acontecendo, Haddad tenta avançar no diálogo com Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Fontes próximas ao ministro confirmaram que há a possibilidade de o governo recuar na reoneração da folha de pagamentos, como sinal de boa vontade.
A medida, que havia sido determinada via MP na virada de dezembro para janeiro, derrubava uma decisão anterior tomada pelo Legislativo e se tornou uma pedra no sapato maior do que Lula está disposto a lidar neste momento.
Um senador e um deputado federal da base do governo confirmaram à reportagem que a Fazenda enviará um texto revogando a reoneração, o que, dizem eles, seria suficiente para apaziguar a relação dos Poderes.
Entre os aliados de Lira a narrativa é outra. Nos bastidores, ele tem reclamado do atraso na liberação das emendas parlamentares do ano passado e se mostrado preocupado com o avanço das investigações da Polícia Federal em nomes próximos ao seu círculo, o que acaba por reduzir seu capital político para a próxima eleição de presidente da Casa, em 2025.
O temor é que, conforme as investigações de tentativa de golpe se espalhem entre os parlamentares, mais força um eventual candidato de Lula tenha na disputa.
Oficialmente, Lula afirmou que não entrará nessa briga política e que o representamento das emendas foi momentâneo, e deverá ser normalizado ainda no primeiro trimestre.
Mesmo com a fala de Lula, Lira quer uma explicação sobre o veto presidencial às emendas de comissão no Orçamento de 2024. Inicialmente, o Congresso havia destinado um montante de R$ 16,6 bilhões para esse fim, mas Lula cortou R$ 5,6 bilhões, totalizando R$ 11 bilhões.
Dono da bola
O problema de ter um presidente da Câmara de mau humor é que ele atrasa o planejamento de todo o Executivo. Exemplo disso é a regulamentação da Reforma Tributária aprovada no ano passado, com o Executivo tendo até 180 dias após a promulgação para enviar seus projetos de lei complementares que detalharão o novo sistema tributário.
Paralelamente, a reforma do imposto de renda também está em curso, precisa ser validada no Legislativo e corre o risco de ficar para o ano que vem em função da janela da eleição municipal. Também havia no cronograma do Executivo para 2024 começar a discussão no Parlamento sobre a Reforma Administrativa. A ideia era desmembrar o texto e começar por atacar os privilégios do topo da pirâmide e, até o fim da gestão Lula III, ter novas regras para todo o funcionalismo público.
Mas Lira já deixou claro que, sendo ele quem decide o tempo das coisas, todas as ambições do governo seguirá em compasso de espera enquanto outro nó não for desatado. E ele envolve o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos). Alvo de críticas do ministro da Fazenda, que afirmava que a iniciativa que já custou R$ 17 bilhões deveria estar restrita ao suporte das empresas apenas durante a pandemia.
Para Haddad, houve má intenção do setor em se aproveitar do benefício mesmo após a retomada das atividades. Assim, o Perse virou a ‘prova’ de como os empresários se aproveitaram dos recursos do governo, e com anuência do Legislativo. Com essa imagem se propagando, o presidente da Abrape (Associação Brasileira dos Promotores de Eventos), Doreni Caramoni, colocou sua versão dos fatos.
Segundo ele, Haddad está mal informado sobre os valores, e o custo foi em torno de R$ 6 bilhões. “Evidentemente que a Abrape não compactua com o mau uso do programa, mas é muito difícil negociar e presentar as ponderações se não há diálogo [com o governo].”
Toda essa tensão se dá em cima de achismo.
• Por um lado, o governo diz que a Receita Federal contabilizou R$ 17 bilhões do programa, mas o número ainda não foi oficialmente divulgado.
• A Abrape, por sua vez, afirma que encomendou um estudo da consultoria Tendências que chegou aos R$ 6 bilhões, mas o levantamento ainda não foi totalmente concluído.
• O presidente da entidade diz que o programa foi pensado para durar cinco anos. Ele argumenta que a lei do Perse, de maio de 2021, já dizia que o programa duraria 60 meses.
• Já Haddad, em entrevista ao programa Roda Viva, afirmou que o acordo era que a iniciativa teria um custo de, no máximo, R$ 20 bilhões. E só. “Fizemos um acordo de valor. Dissemos: tem R$20 bilhões para o Perse. Ele pode acabar em um ano, em dois, em quatro, em cinco. E ele consumiu quase R$ 17 bilhões no ano passado. Portanto, a criação de uma Medida Provisória se fez necessária.”
Mais uma questão de narrativa, já que, o texto assinado há três anos, que regulamentou a Lei do Perse, deixa as duas possibilidades abertas e com ampla margem de interpretação.
Rui Costa, a bola da vez
Ao tentar preservar a imagem do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, antecipando a necessidade de colocá-lo na linha de frente das reformas estruturantes que faltam, o presidente Lula decidiu modificar algumas peças no xadrez político.
• Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, vinha sendo alvo nos bastidores de fortes críticas de Arthur Lira, que afirmava haver pouco espaço e margem para diálogo com o petista.
• Diante desses dois bloqueios, entrou em cena um dos mais fieis aliados do presidente: Rui Costa. O ministro da Casa Civil ficou responsável pela negociação com a cúpula do Legislativo, em especial o presidente da Câmara.
• Com o canal de comunicação estabelecido, o primeiro dever de Costa será resolver a questão das emendas parlamentares represadas.
• De acordo com Lira, o atraso, somado ao veto de Lula, causam um problema enorme dentro das cidades, que aguardam o “recurso para obras importantes e medidas para redução de danos, por exemplo, do período de chuvas.”
• Em troca da celeridade no processo, o petista deverá pedir regime de urgência e boa vontade do Legislativo para avaliar outra pauta cara e necessária na busca pelo déficit zero: uma solução para o financiamento do sistema elétrico com menos subsídios.