Como o publicitário Roberto Justus se tornou um inovador da construção civil
No comando da SteelCorp, Roberto Justus quer desbravar o mercado de Light Steel Frame e modernizar a construção no Brasil. Meta da empresa é alcançar receita de R$ 1,5 bilhão em 2025
Por Sérgio Vieira
RESUMO
• Publicitário Roberto Justus comanda a SteelCorp, gigante de Light Steel Frame (LSF), segmento da construção industrializada
• Empresa utiliza aço galvanizado como principal elemento estrutural, que pode ser mais sustentável e rápido que o uso do tijolo
• Backlog (quantidade de pedidos recebidos mas ainda não concluídos) da SteelCorp é de R$ 3,1 bilhões
• Ideia do empresário é que metade da casa ou do prédio virá pronta da fábrica, diminuindo resíduos e consumo de água
• O trabalho também muda: saem pedreiros e entram montadores; sai a pá, entra a parafusadeira
• Mercado começa a entender as vantagens da construção modular industrializada e o potencial de crescimento é enorme
Brasil parou no tempo. A dura afirmação parte de um homem que tem sua trajetória associada a boas iniciativas, grandes ideias e, principalmente, muita inovação: o empresário Roberto Justus. Ele se refere especificamente ao modelo que o País ainda adota na construção de obras civis, focado no tripé pedreiro-tijolo-canteiro. “Ainda estamos na década de 1960. Há uma resistência muito grande em sair da zona de conforto e evoluir nessa questão”, disse Justus à DINHEIRO. Ele não tem dúvida de que o aço pode ocupar o espaço do tijolo e ser muito mais vantajoso, em um modelo mais rápido e mais sustentável.
Inquieto e arrojado como é, o publicitário de 68 anos não fica apenas nas queixas sobre o modelo de erguer prédios, casas, galpões e estádios. Ele decidiu dar um passo à frente e contribuir para mudar esse cenário. Hoje ele comanda a SteelCorp, uma das maiores empresas brasileiras de Light Steel Frame (LSF), o mais representativo segmento da construção industrializada, e que usa o aço galvanizado como o principal elemento estrutural.
Os planos são ambiciosos: chegar ao fim de 2025 com faturamento de R$ 1,5 bilhão, mais que o dobro do que ele planeja para 2024 (R$ 700 milhões). “Isso mostra o quanto esse mercado estava carente de algo tão revolucionário como esse modelo”, afirmou o empresário, que tem 52% de participação da companhia.
Para alcançar a meta de receita, Justus cercou-se de especialistas.
• Trouxe como sócio Daniel Gispert, que tem mais de duas décadas de experiência no setor. Ele tem 15% de participação na empresa.
• Marcelo Pieruzzi, que comanda o Steel Bank, braço financeiro da companhia, possui 3% das ações.
• Os outros 30% do capital da SteelCorp pertencem ao fundo de investimentos Reag.
Atualmente a empresa tem 30 obras em andamento, mas o plano mira um horizonte de grande expansão. E, para atender essa demanda, Justus decidiu comprar a fábrica TecnoFrame. A planta, que ficava em Arujá (SP), foi transferida para Cotia (SP), onde está em operação desde janeiro.
Os investimentos entre a compra da empresa, adaptações, capital de giro e aquisição de máquinas alcançaram R$ 30 milhões. Para se ter uma ideia da perspectiva de crescimento da companhia dirigida por Justus, o backlog (quantidade de pedidos recebidos mas ainda não concluídos) da SteelCorp é de R$ 3,1 bilhões.
Hoje a empresa tem cerca de 250 funcionários, sendo 100 somente na fábrica. A capacidade instalada da TecnoFrame deve aumentar mais de três vezes, passando de 12 mil toneladas para 40 mil toneladas produzidas por ano de perfil de Light Steel Frame, no tamanho que a obra precisar.
ORIGEM E POTENCIAL
No papel, a SteelCorp foi criada há uma década, em Santo André, no Grande ABC, ainda com o nome Steel Home. Justus enxergou ali um grande negócio e comprou dos sócios a empresa e o banco. A aquisição foi feita em junho do ano passado e o novo escritório, na Zona Sul de São Paulo, perto do corredor financeiro da Avenida Luis Carlos Berrini, foi inaugurado em outubro. Construído, claro, em Light Steel Frame.
O mercado começa aos poucos a entender as vantagens da construção modular industrializada. Os números ainda são pequenos, mas vem crescendo de forma consistente.
Para se ter uma ideia desse universo:
• o Produto Interno Bruto (PIB) da construção civil movimenta R$ 2,3 trilhões;
• desse total, perto de 10% corresponde à fatia da construção industrial,
• e algo em torno de 1% para o Light Steel Frame (o que representa R$ 23 bilhões).
Mas também é possível enxergar esses números pela visão do copo meio cheio: isso significa que há um espaço enorme para crescimento.
E é nisso que Justus aposta suas fichas e sua energia diária, a ponto de estar novamente à frente da operação de uma empresa, como CEO, função que ele já havia dito há alguns anos que não ocuparia mais.
Antes da pandemia, era possível dizer que o sistema ainda era muito caro, por causa do preço do aço. Hoje esse cenário mudou significativamente.
Os custos atualmente se equivalem, principalmente nos segmentos de médio e alto padrão. Nos dois casos, é possível ir de R$ 3 mil a R$ 10 mil, a depender do tipo de obra. E, para dar ainda mais segurança a quem investe no novo formato, foi publicada em 2022 a norma ABNT NBR 16970, que define as diretrizes de aprovação para o sistema construtivo.
VANTAGENS
São muitas as diferenças do LSF para a alvenaria.
• Uma das mais impactantes no resultado tem a ver com o tempo de construção. Em média, leva 50% menos do que a construção civil.
• E em uma era de práticas ESG, a distância é enorme entre os dois modelos. No Light Steel Frame, não há entulho na obra, já que a produção toda é feita na fábrica e somente a montagem é realizada no terreno.
• Dados da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza e Resíduos Especiais (Abrelpe) mostram que o País produziu 48 milhões de toneladas de resíduos de construção e demolição em 2021, que equivale a 227 quilos de materiais de entulho por habitante. Número esse que poderia ser zero caso o modelo industrializado já tivesse mais aderência no Brasil.
• O consumo de água na construção industrializada equivale a 1% do gasto nas obras de alvenaria. São 5 litros por metro quadrado, contra 500 na construção convencional. Há vantagem térmica e acústica. A parede é mais fina e ainda assim mais resistente. Isso pode significar um acréscimo de 4% no aproveitamento da área construída. “Imagine esse ganho para quem constrói um empreendimento”, afirmou Justus.
Hoje, pelo menos 30% de uma obra na construção industrializada é feita com o esqueleto do aço galvanizado e outra parte ainda no modelo de alvenaria. Justus quer elevar esse número para pelo menos 50%, o que vai reduzir ainda mais o tempo de entrega.
Traduzindo: metade da casa ou do prédio virá pronta da fábrica. Pelo modelo tecnológico e por esse conjunto de vantagens do sistema industrializado na construção é que Gispert considera a SteelCorp uma construtech. “O mundo mudou na forma de a gente se alimentar, de reservar um hotel, pegar um táxi. E a construção civil precisa seguir esse caminho. A nossa empresa está ajudando a desenvolver esse novo mercado”, disse. “Estamos falando de um modelo disruptivo, que substitui tijolo por aço e placa cimentícia.”
E, se o modelo de construção mudou, o emprego para este novo segmento também vem mudando. Saem os pedreiros e entram os montadores, que, ao invés de usarem a pá, utilizam uma parafusadeira.
Para Horácio Steinmann, presidente da Associação Brasileira da Construção Metálica (ABCEM), é falso o argumento dito por quem não entende a fundo o setor de que o modelo industrializado poderia gerar perda de postos de trabalho. “É exatamente o contrário. Enquanto que um pedreiro fica três anos em uma obra, no mesmo período o montador atua em três empreendimentos na construção industrializada.”
Ele também desmistifica a questão do custo. “Na obra convencional é preciso incluir canteiro, madeiramento e mais uma série de itens, o que aumenta o valor final do empreendimento. No caso do nosso modelo, não há esse custo extra.”
Pensando nisso, a SteelCorp resolveu também investir na formação profissional e criou a Steel Academy. A proposta é treinar aquele pedreiro que quer se modernizar ou aquele jovem que entende que esse pode ser um bom caminho profissional. “A gente ensina a usar a parafusadeira e a ler projetos”, afirmou Gispert.
Pelo menos 300 alunos já foram formados na academia. O próximo passo é desenvolver um curso também para engenheiros e arquitetos, para que possam entender mais as especificidades do Light Steel Frame.
Uma das obras mais relevantes em andamento pela empresa é o novo data center da Scala, em Barueri (SP), em parceria com construtoras convencionais. Serão seis pavimentos em 25 mil m². A empresa também está erguendo um estádio, no interior de São Paulo, que, ao invés de demorar um ano e meio, deve ficar pronto em quatro meses.
Justus sabe da importância de sua imagem para contribuir no desenvolvimento do Steel Frame no Brasil. Carismático e com 16 anos de experiência como apresentador de TV (o mais famoso deles foi O Aprendiz), o publicitário tem sido a principal voz no País do modelo tecnológico de construção.
O empresário não descarta, em um médio prazo (menos de cinco anos), realizar o IPO da SteelCorp. “Ela vai ter um crescimento vertiginoso. Esse vai ser o caminho. E vai precisar de capital.”
DESEJO DO PAI
Se já não houvesse elementos suficientes para Justus apostar na construção civil industrializada, há um componente emocional na decisão. Seu pai, Janos Justus, um húngaro que chegou ao Brasil com a mulher Lídia após a Segunda Guerra Mundial e que morreu em 2013, aos 93 anos, foi dono de uma construtora.
Ele queria que seu filho seguisse o caminho, mas sua carreira trilhou rota distante do desejo do pai. “Ele sempre quis que eu fizesse engenharia civil e eu fui cursar administração de empresas. Sempre fui de ciências humanas”, afirmou. “E, agora, talvez o principal negócio da minha vida esteja ligado ao sonho do meu pai”, disse.
Com linhas retas, de aço, o desejo de Janos Justus de certa forma se concretizou. “A família está de volta à construção civil.” E no melhor estilo Roberto Justus, em um modelo 4.0.
Entrevista
Roberto Justus, CEO da SteelCorp
Justus: “Estou muito entusiasmado em desbravar esse mercado. Vi oportunidade gigante”
O que te fez mudar seu posicionamento de não mais estar na linha de frente de suas empresas e assumir como CEO da SteelCorp?
Me apaixonei pelo negócio. Estou integralmente na atividade, venho diariamente para o escritório. Minha mulher me lembrou que eu tinha falado lá atrás em ter uma vida mais calma, só em conselhos de empresas. Fato é que estou entregando parte da minha vida, que eu não precisaria mais, a uma atividade que eu acredito muito. Estou muito entusiasmado em desbravar esse mercado. Ninguém estava fazendo o que estamos fazendo hoje.
Isso que o motivou a colocar sua imagem como principal defensor do modelo Light Steel Frame?
Entendo que sou um gerador de oportunidades e estou usando todo o meu networking para mostrar o trabalho incrível da SteelCorp. As pessoas têm confiado muito na gente. O segredo agora é entregar tudo aquilo que a gente está projetando. Para isso, trouxe para a empresa pessoas que entendem muito do assunto. Com minha visibilidade, posso colocar o trombone na rua e fazer esse mercado acontecer.
Qual o horizonte de crescimento para a empresa?
Minha meta é elevar o mercado de Light Steel Frame para 10%, contra 1% atualmente. Isso significa R$ 230 bilhões. E não é para mim. Não vamos absorver tudo isso. Nossa ideia é criar um mercado inteiro. Pretendo chegar nesse horizonte em cinco anos.
Isso incluir formar mais profissionais?
Sem dúvida. Em 2024 queremos ter mais de 1 mil alunos na Steel Academy. Temos parcerias com o Senai e um de nossos cursos já está homologado pelo Ministério da Educação.
E qual o papel da Steel Bank?
É de fortalecer a indústria da construção tecnológica. Ela atua no fomento, desconto de recebíveis e outras ações financeiras. Este ano estamos com R$ 154 milhões de giro, até junho chegaremos a R$ 450 milhões e queremos terminar 2024 com R$ 1,1 bilhão em operações financeiras.
Como mudar a questão cultural da construção de alvenaria?
Não tem sido difícil. As pessoas no início se assustam um pouco, mas estão cada vez mais curiosas. As construtoras têm nos procurado para sermos aliados nas obras. Eles começam a ver o futuro da construção civil. Com as nossas entregas, a resistência vai diminuindo. A gente vai provando que nosso modelo funciona.
Você sempre foi um construtor de ideias e parte para a construção de fato. O que isso significa em sua jornada vitoriosa?
Isso é muito desafiador. Meu pai, meu grande ídolo, teve uma empreiteira grande, a ECEL, que realizou grandes obras no Brasil. E eu não via muita graça em ciências exatas. E sei que hoje ele está vendo em algum lugar. Basta ter uma boa oportunidade que sua cabeça muda. Eu enxerguei na construção tecnológica um grande negócio. Estar na liderança de um processo como esse não tem preço. Eu quero deixar na construção civil o mesmo legado que deixei na publicidade.