Brigão e obstinado: conheça o legado de Abilio Diniz, o gigante dos negócios
O nome que eternizou uma trajetória de empreendedorismo e sucesso no mundo dos negócios no País deixa lições de vida e de gestão para muitas gerações
Por Hugo Cilo
Abilio Santos Diniz nunca se conformou em perder. Em seus bem vividos 87 anos, estabeleceu a primeira colocação como a única alternativa. Nos esportes, nos negócios ou na família, tinha de chegar na frente. Foi o primeiro de seis filhos de um clã de imigrantes portugueses. Valentim (1913-2008), o patriarca, sempre alertou a esposa, Floripes (1915-2013), que a ambição do primogênito seria bênção ou maldição. De certo modo, sua vida teve os dois, ao mesmo tempo. Mas nada disso incomodava Abilio. Era obstinado. Entre os irmãos, criou confusões — como acontece nas melhores famílias. Mas construiu um império do varejo. O sucesso lhe rendeu fortuna, hoje avaliada em R$ 10 bilhões pela revista Forbes. E também um sequestro em 1989, quando passou sete dias em cativeiro, mas com final feliz.
Hoje, tudo isso é detalhe de uma trajetória mais instigante.
• Lá em 1959, transformou uma discreta doceria do pai, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, na capital paulista, na maior e mais poderosa rede supermercadista do País, o Pão de Açúcar.
• No esporte, venceu quase tudo que competiu profissionalmente: automobilismo, polo, motonáutica e boxe. Apanhou muito e bateu pouco, como ele humildemente reconhecia. São-paulino roxo, Abilio levou a sério o esporte. Era triatleta.
• Na terceira idade, fundou junto com os filhos o Núcleo de Alto Rendimento Esportivo de São Paulo (NAR), uma espécie de universidade para formação de atletas de alta performance, com potencial olímpico.
• Nos últimos anos de vida, Abilio criou a meta de disputar um torneio mundial de squash após os 90 anos de idade. Queria lutar contra as decepções pessoais da infância. Gordinho e baixinho quando criança, aprendeu a brigar (inclusive na rua, até seus quase 60 anos), até aposentar o bíceps para essa finalidade.
• Passou a brigar apenas com o cérebro quando conheceu a economista Geyze, 52, a segunda esposa, com quem seguiu até o último dia. Se brigasse de novo, Geyze o colocava na linha.
As brigas e desafios de Abilio se tornaram outros — e muito maiores. À frente do Grupo Pão de Açúcar (GPA), o empresário assumiu protagonismo no ringue dos negócios. Como um dos brasileiros mais influentes das últimas décadas, abraçou participação em grandes empresas do varejo como Carrefour, Casas Bahia, Ponto Frio, Companhia Brasileira de Distribuição (CBD) e também no frigorífico BRF.
Era persona grata nos corredores do Congresso, em Brasília, e figura onipresente em eventos e jantares do poder.
Brasilianista fervoroso, católico de nascimento e patriarca de uma dinastia com seis filhos (cinco vivos, depois da morte de João Paulo, 58, por infarte em 2022), 18 netos e seis bisnetos, Abilio era autêntico em cada uma de suas funções.
No papel de dono, de chairman, de CEO ou de conselheiro de grandes empresas, brigava com desenvoltura em salas de reunião a portas fechadas. Reconquistava o respeito e admiração de desafetos com a mesma agilidade de um boxeador.
Como definiu o francês Jean-Charles Naouri, presidente do Grupo Casino Guichard-Perrachon, sócio de Abilio e atual controlador do GPA, ele era duro na queda. “Abilio foi um empreendedor incansável, e que jamais abandonou seu otimismo com o Brasil”, afirmou Naouri, em nota, logo após a morte do empresário por inflamação nos pulmões, no domingo (18). “Seu legado será sempre lembrado como um dos maiores nomes do varejo alimentar no mundo.”
“Procure enxergar as coisas pelo lado positivo. Isso talvez seja o suficiente para produzir mudanças significativas na sua qualidade de vida”
A elegante e respeitosa mensagem de Naouri esconde uma das maiores derrotas de Abilio. O chefão do Casino, então acionista minoritário do GPA, levou Abilio à lona ao conseguir assumir o controle da companhia, a contragosto do empresário brasileiro, que passou o bastão do Pão de Açúcar com quase 80 anos.
Foi aí que Abilio comprou uma parcela relevante no Carrefour — tanto na filial brasileira, quanto no global — e embarcou no desafio de tocar a BRF, empresa na qual chegou a possuir quase R$ 2 bilhões investidos.
No entanto, ao definir o papel de Abilio no varejo, Naouri tem razão. Foi sob o comando dele que o Pão de Açúcar decolou. Em dez anos, na década de 1960, a loja assumida do pai já era uma rede com 40 supermercados e 1.650 funcionários.
Já nos anos de 1970, no embalo do Milagre Econômico, ele investiu pesado na expansão da rede. Trouxe novos formatos para o varejo. Inaugurou o primeiro hipermercado no Brasil, o Jumbo, em Santo André (SP). Naquela mesma época, comprou a Eletroradiobraz, uma das maiores empresas do ramo varejista com 116 lojas, e adquiriu outras redes como Superbom, Peg-Pag e Mercantil.
A gana empreendedora de Abilio e sua ambição por grandes planos de expansão colocaram o megaempresário no olimpo do varejo.
O presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Galassi, afirma que o amigo ilustre teve contribuição fundamental para o desenvolvimento do varejo. “Abilio, com seu espírito empreendedor, transformou o Grupo Pão de Açúcar na maior rede varejista do País e teve papel fundamental também na criação e fortalecimento da Abras, como um dos seus membros mais importantes”, disse Galassi.
PENÍNSULA
Para proteger filhos e netos, montou a Península Participações, holding que cuida de sua fortuna. Se tornou dono de muita coisa, inclusive dos imóveis do Pão de Açúcar, hoje locados para o Casino.
Possui dezenas de negócios, muitos deles no terceiro setor. Hoje a Península tem cerca de 30 funcionários. “Abilio sempre investiu em negócios que tivessem relação com seus gostos pessoais, em uma prova de que nunca separou o prazer dos negócios”, disse o jornalista e escritor Marcos Barrero, coautor do livro Empresários Brasileiros, escrito em parceria com Latif Abrão Júnior.
O Instituto Península, voltado para a Educação, tem à frente a filha Ana Maria Diniz, casada com Luiz Felipe D’Avila (candidato à Presidência da República na última eleição).
Sob o guarda-chuva está ainda a gestora de fundos O3, com R$ 1,3 bilhão sob custódia, comandada por Priscila Araújo, ex-Citi. No cesto da Península, Abilio deixa participações na Oncoclínicas, no site wine.com.br e até na rede de padarias Benjamim.
Abilio sempre quis ser professor. Mas aprendeu que, antes, teria de aprender muito (principalmente a ganhar dinheiro) para poder ensinar.
Realizou esse sonho em 2010, quando lançou o curso “Liderança 360°”, na Fundação Getulio Vargas (FGV). Nos últimos anos, Abilio também comandou programas na CNN Brasil, a convite do amigo Rubens Menin, dono da MRV e da emissora, entre muitas outras empresas.
Sob a lente das câmeras, Abilio recebeu empresários, políticos e nomes importantes da sociedade civil para discutir e repensar os caminhos do desenvolvimento econômico e social de nosso País. Amava conversar, aprender e ensinar — sempre com visão otimista. “Procure enxergar as coisas pelo lado positivo. Isso talvez seja o suficiente para produzir mudanças significativas na sua qualidade de vida”, dizia Abilio.
Além de otimista, destacava a importância de colocar amor em tudo na vida. “Tanto o amor quanto o ódio têm a capacidade de nos mover, mas cada um nos conduz a um destino diferente.”
Com essas filosofias, o empresário escreveu três livros: Caminhos e Escolhas (2004), Reflexão, Equilíbrio e Paz (2014) e Novos Caminhos, Novas Escolhas (2016). Queria eternizar seus pensamentos de gestão, relacionamentos e estilo de vida. Foi um pioneiro. Até nisso Abilio chegou primeiro.