Economia

Entenda os três cenários de longo alcance para o crescimento brasileiro

Previsão de aumento na arrecadação do governo fica distante das estimativas do mercado, e isso pode ser a diferença entre crescer 1,5% ou 3,1% nos próximos dez anos

Crédito:  pexels

Alvo de estudo de consultoria, PIB brasileiro depende de inúmeras variáveis (Crédito: pexels)

Por Paula Cristina

RESUMO

• Projeções de arrecadação do governo expostas na LDO não condizem com as estimativas do mercado
• Diferença chega a R$ 96 milhões, segundo consultoria
• Mesmo assim, se controlada a situação fiscal, PIB pode crescer 2,4% ao ano até 2033, prevê especialista
• Isso se a fragilidade política do governo não aumentar, o que poderia comprometer agenda de arrecadação

Precisamos ser francos. Alguns fracassos têm o potencial de reduzir êxitos a pó. De fato a economia brasileira caminha. A inflação parece controlada, a Selic e o desemprego apontam para baixo. A confiança do empresário e do consumidor oscila para cima e boa parte dos brasileiros avalia como positiva o gestão Lula III. Tudo estaria ótimo, não fosse um detalhe que pode inverter todos esses indicadores. As projeções de arrecadação do governo que aparecem na Lei de Diretrizes Orçamentárias não condizem com as estimativas do mercado e exigirá que o governo, para não ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal, tenha que alterar a meta de déficit zero em 2024.

Segundo análise da Tendências Consultoria, a diferença entre a previsão do governo e as estimativas do mercado chega a R$ 96 bilhões.

Segundo as estimativas do governo e chanceladas pelo Parlamento, os fundos isentos, a retomada do voto de qualidade do Carf e o fim do JCP podem elevar a arrecadação em R$ 168,5 bilhões. Enquanto a Tendências, mais modesta, prevê algo em torno de R$ 72,7 bilhões.

“A dificuldade de elevar a arrecadação para fazer frente ao aumento de gastos permitido pelo regime fiscal, em nossa avaliação, resultará na mudança de meta não só para 2024, mas também para 2025. Esse aumento de percepção de risco reflete-se, principalmente, num nível de incerteza maior, pesando nas principais variáveis econômicas desenhadas”, afirmou Alessandra Ribeiro, economista e diretora de Macroeconomia e Análise Setorial da Tendências.

Para a especialista, tal situação fiscal, apesar de frágil, se minimamente controlada pode ser capaz de garantir crescimento médio de 2,4% do PIB ao ano até 2033.

A projeção faz parte do relatório Cenários de Longo Prazo, que avalia o andamento da economia em três variáveis:
pessimista,
básica,
e otimista.

Na básica (que tem probabilidade média de 65% de chances de ocorrer), a previsão é de que ainda que a dívida pública demore mais do que o previsto para cair há na política monetária capacidade de controle da inflação, por um lado, e chance de equilibrar a renda do brasileiro por políticas públicas, por outro.

Colocar o peso na autoridade monetária, no entanto, pode ser um problema. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou no evento da Frente Parlamentar Mista para a Criação de Estímulos Econômicos para a Preservação Ambiental, em Brasília, que o Brasil tem um problema histórico de descontrole da dívida pública e, em algum momento, será preciso olhar isso de modo mais perene.

“O País está entrando em uma fase em que o processo de trajetória da dívida pública, depois do Arcabouço Fiscal, tende a se estabilizar e que, em algum momento, será preciso discutir como fazer a convergência da dívida”, afirmou.

(Marlene Bergamo/Folhapress)

“Um resultado robusto pode sustentar o plano de zerar o défict. esse cenário é real para mim”
Fernando Haddad, ministro da Fazenda

OUTROS CENÁRIOS

E se tudo parece minimamente sob controle agora, há também um cenário mais complicado. Com 25% de chances de ocorrer, a perspectiva pessimista envolve um aumento da fragilidade política do governo, que resultaria em dificuldade de aprovação da agenda para aumento de arrecadação e poderia desembocar em resultados primários negativos, alimentando de maneira mais expressiva os riscos sobre a sustentabilidade das contas públicas.

“Nesse cenário, a economia brasileira cresce em média 1,5% no período e temos uma parte global mais desafiadora, com necessidade de ajuste monetário ainda nas principais economias e desaceleração abrupta da economia chinesa”, disse Alessandra, da Tendências. “Esses problemas, ainda que no curto prazo tenham efeitos mais pronunciados, trariam consequências também para o médio e longo prazos.”

Na parte doméstica, efetivamente, esse cenário segue ancorado em uma percepção de risco maior em relação às questões fiscais, dada a dificuldade de recomposição de receitas, levando o governo a flexibilizar alguns pilares da política econômica. Isso desdobra em jogar a responsabilidade apenas na condução da política monetária pelo Banco Central.

Por fim, o Cenário Otimista tem uma probabilidade de ocorrência de 10%. Segue as mesmas premissas do panorama internacional do Cenário Básico e, no âmbito doméstico, a ampla coalizão governamental passaria a dar apoio mais sistemático à agenda de recuperação das receitas, movimento central para a estratégia fiscal do governo diante da expectativa de crescimento real das despesas.

“Aqui, estamos considerando um crescimento médio de 3,1% da economia”, disse Alessandra. Mas para pisar nesse panorama, o governo precisará fazer algo que sistematicamente não tem feito: ampliar as medidas de responsabilidade fiscal. Isso conjugado a uma atuação governamental bem-sucedida e exemplar na agenda de arrecadação.

“Além dessa questão, temos também os efeitos qualitativamente mais pronunciados da Reforma Tributária, na medida em que ela se traduz em um PIB potencial mais elevado”, afirmou Alessandra Ribeiro.

Para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, os dados de que em janeiro as receitas do governo tiveram incremento real de 5,8% e saldo positivo de R$ 77,9 bilhões sustenta sua ambição de zerar o déficit.

Ele afirma que ano passado o governo honrou as dívidas que foram escanteadas pelo governo anterior e, agora, com os indicadores mostrando reação da economia “há grandes possibilidades de um resultado robusto e que justifique nosso plano de zerar o déficit — esse cenário é real para mim”, disse.

É torcer para que os 10% de probabilidade aconteça.