As contradições de uma cultura inovadora
Por Luís Guedes
Há relativo consenso na academia de que culturas corporativas nas quais os resultados são supervalorizados e fartamente premiados, ao longo do tempo acabam sendo contraprodutivas, na medida em que inadvertidamente promovem um ambiente de competição acirrada, desconfiança e individualismo – um custo escondido para lá de alto. Na verdade, nem é tão escondido assim: a Associação Americana de Psicologia estima que mais de US$ 500 bilhões por ano são drenados somente na economia americana por causas decorrentes do estresse no trabalho.
Os números são assustadores: 550 milhões de dias de trabalho perdidos por ano e quase 80% dos acidentes com causas atribuídas ao estresse. O estresse tem sido também associado a problemas de saúde que vão de psicopatologias até graves doenças cardiovasculares.
Quanto mais baixo na hierarquia, continua a pesquisa, maior o impacto direto do estresse na saúde. Completam o enredo de filme de horror das culturas disfuncionais os problemas que decorrem do desengajamento (sentimento de descompasso com a empresa pela falta de valorização do trabalho, suporte e respeito) e da perda de lealdade dos colaboradores.
As pessoas (principalmente os de melhor desempenho, porque têm maior mobilidade) procuram e acham outro lugar para trabalhar – o bônus, a almofada colorida e a mesa de ping-pong que são mais decorativas do que funcionais, ficam bem nas fotos, mas deixam de ser aspectos relevantes na transição para um ambiente mais equilibrado.
No espectro contrário estão as empresas nas quais o ambiente de confiança mútua, segurança psicológica e engajamento a uma causa imperam e, sugerem pesquisas recentes, tais fatores contribuem positivamente para o resultado por meio da inovação que induzem.
Explorar ideias arriscadas que acabam fracassando é parte do processo, mas a tolerância com habilidades técnicas medíocres, complacência e vitimização, não
Culturas inovadoras são geralmente divertidas, caracterizadas pela tolerância ao fracasso, disposição saudável de experimentar, em um ambiente colaborativo e não hierárquico. Mas nem tudo são flores – quando raspamos a superfície, temos percebido na operação de grandes empresas brasileiras, públicas e privadas, que culturas inovadoras são difíceis de criar e nutrir.
Para que deem certo, os aspectos positivos devem ser contrabalançados por alguns comportamentos pouco flexíveis e francamente bem menos divertidos: baixíssima tolerância à incompetência, disciplina rigorosa com os princípios, sinceridade para lidar com problemas, apurado senso de urgência, responsabilidade individual e liderança vivamente comprometida com o desenvolvimento de longo prazo da organização formam o conjunto mínimo de características.
Organizações com culturas inovadoras estabelecem padrões de desempenho excepcionalmente elevados e recrutam os melhores talentos que podem encontrar. Explorar ideias arriscadas que acabam fracassando é parte do processo, mas a tolerância com habilidades técnicas medíocres, complacência e vitimização, não.
As tensões criadas por esse paradoxo põem as culturas inovadoras em um estado de equilíbrio permanentemente instável. A menos que sejam cuidadosamente administradas, as tentativas de manter uma cultura inovadora poderão ter o mesmo êxito de um desafiante desajeitado contra um tetracampeão mundial de boxe.
Luís Guedes é professor da FIA Business School