“Há pressão da sociedade por mais mulheres líderes no setor financeiro”, diz Sílvia Scorsato, da ABBC
Por Sérgio Vieira
À frente da Associação Brasileira de Bancos (ABBC) há quase três anos, Sílvia Scorsato sabe que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que equidade de gênero avance no setor financeiro do Brasil. Primeira dirigente da associação, fundada em 1983, a executiva tem adotado, em sua gestão, iniciativas para ampliar as práticas ESG nas instituições bancárias. E é justamente para incentivar e disseminar o debate sobre o aumento da presença de mulheres nos cargos de comando que a ABBC lança, na terça-feira (5), o selo Mais Mulheres na Liderança. Para conquistar o selo, será necessário a presença de pelo menos duas mulheres na diretoria estatutária. Das 121 instituições associadas, 26 irão receber a chancela. “Claro que não é expressivo como gostaríamos, mas é justamente por isso que temos de trabalhar esse tema”, afirmou.“O ideal, evidentemente, é lutarmos para que até 2030 tenhamos 50% de presença feminina na liderança das empresas do setor financeiro”, disse Sílvia, que também é diretora de ESG do banco Sofisa. Ela reconhece que as ações adotadas pelos bancos nesse tema partem também da sociedade. “O mercado financeiro ainda não tem metas estabelecidas obrigatórias, mas é óbvio que há uma pressão de clientes, dos investidores e dos próprios colaboradores, que formam a sociedade”, afirmou a dirigente. “E, nesse sentido, a sociedade clama por maior equidade de gênero.”
DINHEIRO — O setor financeiro no Brasil ainda é majoritariamente masculino. O que tem sido feito para mudar esse quadro?
SíLVIA SCORSATO — Ainda é um segmento muito masculino e há uma questão histórica muito forte. Estou no mercado financeiro há 30 anos e, em que pese eu ter visto uma evolução nesse período, a gente sabe que o tema ainda precisa ser muito trabalhado. Historicamente, o setor sempre foi um mercado liderado por homens. Hoje há um processo em curso. Eu noto uma mudança significativa, mas ainda aquém do que o mercado espera. Mas a pauta entrou para valer dentro das instituições. Nós, da Associação Brasileira de Bancos, temos trabalhado temas ligados a pautas ESG (ambiental, social e de governança), incluindo liderança feminina, equidade de gênero, desde que assumi a entidade, há quase três anos. Desde que a ABBC foi criada, há 40 anos, fui a primeira mulher a assumir a presidência da entidade, o que mostra a demora na entrada da mulher de forma mais significativa na liderança do mercado financeiro.
A ABBC lança terça-feira (5) um selo para reconhecer a presença de mulheres em cargos de liderança. Qual é o cenário atualmente?
A associação tem hoje 121 instituições financeiras, entre bancos pequenos, médios, empresas de pagamentos, fintechs, cooperativas. É um universo bem plural. A gente quis olhar para o nosso mercado e criar um selo, chamado Mais Mulheres na Liderança, que fosse um reconhecimento e um estímulo. Nossa força é de promover, disseminar e discutir o assunto da equidade. A gente gerar esse incentivo para mais mulheres nos cargos de liderança.
Quais os critérios para que a instituição receba o selo Mais Mulheres na Liderança?
É preciso que a empresa associada tenha duas ou mais mulheres no quadro de diretoria estatutária. Não estamos falando de liderança gerencial ou superintendência, mas sim do alto comando. De 121 instituições associadas da ABBC, 26 irão receber o selo.
Ainda que seja um universo de pequenos e médios bancos, não é um número baixo, já que representa 21,5% do total de associados da ABBC?
Considerando que a gente tem muitas instituições pequenas que às vezes têm dois diretores, não entendo que seja um número tão baixo. Claro que não é expressivo como gostaríamos, mas é justamente por isso que temos de trabalhar esse tema da equidade de gênero. Um dado do estudo Panorama Mulheres, publicado em 2023 pelo Talenses Group em parceria com o Instituto Insper, mostra que a participação de mulheres em diretorias executivas das empresas de capital aberto alcançou 21% em 2022. O ideal, evidentemente, é a gente lutar para que até 2030 a gente tenha 50% de presença feminina na liderança das empresas do setor financeiro. Esse debate gera uma possibilidade maior e uma percepção sobre essa questão. Pessoas qualificadas para ocupar essas funções nós temos.
“Estudo da McKinsey feito em diversos países mostra que as empresas com equipes mais diversificadas em termos de gênero têm 39% de probabilidade de ter uma performance financeira melhor que as outras do seu segmento’’
Mas essas questões não começaram a mudar, incluindo as práticas ESG, apenas quando essas cobranças começaram a impactar no bolso?
O mercado financeiro ainda não tem metas estabelecidas obrigatórias, mas é óbvio que há uma pressão de clientes, dos investidores e dos próprios colaboradores, que formam a sociedade. E, nesse sentido, a sociedade clama por maior equidade de gênero. Há, sim, uma pressão externa e, ao mesmo tempo, há um reconhecimento de que a presença de mulheres na liderança gera muito valor.
Essa geração de valor pode ser mensurada?
Um estudo da consultoria McKinsey realizado em diversos países, incluindo o Brasil, mostra que as empresas com equipes mais diversificadas em termos de gênero têm 39% de probabilidade de ter uma performance financeira melhor do que as outras do seu segmento. E não é só pela presença feminina, e sim porque há pessoas com pensamentos diferentes, que olham as questões sobre diversos pontos de vista e garantem mais inovação. Com público diverso, sempre é possível gerar mais desenvolvimento. Acredito que exigências virão para o setor financeiro, mas percebo que o mercado está atento e tentando se antecipar a esse movimento.
Práticas sustentáveis têm estado presente nas discussões do segmento bancário?
Na própria ABBC a gente tem comissões que tratam de questões sociais, o que cada instituição está fazendo, se trabalham esses temas com colaboradores, além de comitês que lidam com os pilares ESG, especialmente o social. Governança também é algo muito importante, um pilar fundamental das instituições financeiras. Na questão ambiental, vejo as instituições realizando fomento, formas de conceder crédito para ações ligadas a desenvolvimento sustentável.
Não é um contrassenso que os bancos cobrem contrapartidas ambientais para conceder empréstimos, mas ainda não adotem as mesmas práticas de forma efetiva?
O maior poderio que uma instituição financeira tem hoje na questão ambiental e climática é a possibilidade de empréstimos para definições específicas ou elevando algum patamar desses requisitos. É uma parceria. Dentro de casa, esses bancos, que não são grandes poluidores, podem reduzir suas emissões, adotar práticas mais conscientes, criar programas de reciclagem, neutralizar suas pegadas de carbono. Isso sim é possível. O que escuto, de fato, do mercado financeiro, é a contribuição para a virada do modelo energético brasileiro, para uma economia mais verde. Mas é claro que existem lições de casa que podem e devem ser feitas.
Em abril de 2022 a ABBC lançou o guia ESG de melhores práticas para o setor bancário. Qual foi o impacto desse material e qual tem sido a aderência?
O guia foi lançado a partir da percepção e de uma primeira pesquisa que a ABBC fez para saber o grau de maturidades das instituições associadas naquela época sobre esse tema. Naquele momento, que estávamos disseminando conhecimento, recebemos 60% de retorno. Levamos informações sobre matriz de materialidade, sobre legislação do assunto. Pretendemos fazer uma nova pesquisa, mas enxergo hoje um cenário diferente. As instituições financeiras saíram da fase do conhecimento para a fase da aplicabilidade. Hoje já há percepção de valor para colocar em prática as ações ligadas a ESG.
Por enquanto estamos na fase do convencimento das iniciativas ou já há alguma possibilidade de autorregulação?
No começo a ABBC pensou na possibilidade, mas o próprio Banco Central avançou muita nessa pauta. Foram implementadas medidas e há novas resoluções para sair, que irão tratar da parte quantitativa. O BC trabalhou muito sobre questões de governança, gestão de risco, práticas ligadas a riscos socioambientais. E virão novas ações. A gente sabe que quando tem esse tipo de transparência, há evolução. Dessa forma, entendo que não há necessidade de adotar uma autorregulação nesse momento no setor.
“As instituições financeiras saíram da fase do conhecimento para a da aplicabilidade. Hoje já há percepção de valor para as ações ligadas a ESG’’
Quais têm sido as iniciativas da ABBC ligadas a ações contra a desigualdade social?
O nosso comitê social é formado com conselheiros da ABCC e onde são decididas as estratégias das nossas ações. A gente contribui hoje com 19 organizações da sociedade civil, que tratam de temas diferentes. Muitas delas são ligadas a formação profissional, auxílio educacional, formação de mulheres. Além de doações e mentorias para essas organizações. A gente também tem um programa, em parceria com o Instituto Gesc, que propicia treinamento para essas organizações, sobre como fazer gestão. Com isso, a gente consegue aumentar o impacto positivo por meio dessas instituições. Todas as ações de responsabilidade social apoiadas pela ABBC impactam positivamente mais de 33 mil pessoas. Isso inclui educação financeira e formação de pessoas para o mercado financeiro, garantindo a contratação de boa parte desses novos profissionais para as associadas da ABBC.
Qual foi o montante que a ABBC destinou a ações sociais em 2023?
Somente no ano passado destinamos R$ 2,8 milhões. Fizemos muitas doações para as pessoas atingidas pelas chuvas no Litoral Norte de São Paulo e no Rio Grande do Sul. Os recursos foram para entidades que trabalham nessas localidades, que sabem como atacar os problemas. Foram comprados colchões, geladeiras e muitos outros itens. Repassamos para entidades como a Gerando Falcões.
Falando em educação financeira, o programa Desenrola, do governo federal, vem conseguindo alcançar o objetivo de também evitar novas dívidas?
Qualquer possibilidade de tirar a pessoa que está em difícil situação financeira, está negativado, que não consegue administrar as finanças futuras, é salutar. O Desenrola teve uma boa adesão. Muitos bancos da ABBC entraram no Desenrola e o fim para o que se presta é muito bom. Educação financeira deve começar na escola, como administrar os recursos, como poupar. E a gente trabalha muito fortemente para avançar nisso. Mas é necessário um alcance maior. Por isso entendo que esse tema precisa ser tratado ainda no período escolar, para que as crianças já saibam da importância da educação financeira.