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Indústria de alimentos quer combater “terrorismo nutricional”; entenda

Pressionado por um crescente ativismo da saudabilidade que implica em regras de rotulagem e classificações pouco claras, o setor que reúne 38 mil empresas e movimenta R$ 1 trilhão tenta reagir à vilanização

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Em 2023, a indústria brasileira de alimentos investiu R$ 36 bilhões em inovação (Crédito: Divulgação )

Por Celso Masson

Alto em sódio. Alto em gordura saturada. Alto em açúcar adicionado. Essas informações, colocadas em destaque na parte frontal do rótulo de alimentos industrializados desde outubro passado, têm confundido o consumidor brasileiro e colocado a indústria de alimentos no papel de inimiga da saúde. Na visão do presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), João Dornellas, esse discurso de “comida de verdade e comida de mentira” ou “alimento bom e alimento ruim” é injusto com toda  população brasileira, além de irresponsável.

“A qualidade e a diversidade da alimentação só têm se expandido nas últimas décadas. A humanidade se alimenta muito melhor hoje do que 50 anos atrás, e isso é resultado da evolução do processamento de alimentos, ciência e da tecnologia”, afirmou Dornellas.

Segundo ele, o setor trabalha com inovação para permitir que tenhamos hoje uma grande diversidade de alimentos, com diferentes perfis nutricionais para atender às mais variadas necessidades e preferências das pessoas. Defender a indústria alimentícia é o papel da entidade que Dornellas preside — e esse esforço tem se tornado mais desafiador à medida em que surgem novas pressões de ativistas capazes de influenciar as regras de classificação e rotulagem dos alimentos industrializados.

Encontrar formas que permitam à população entender com clareza o que está comendo é uma das missões da Abia, que representa 38 mil empresas, responsáveis por 1,8 milhão de empregos formais e diretos, movimentando R$ 1 trilhão por ano.

A nova regra de rotulagem frontal para alimentos processados e ultraprocessados, que inclui as lupas de alerta para altos teores de açúcar adicionado, gordura saturada e sódio, passou a ser obrigatória no final de 2023 após quase uma década de debate entre os fabricantes, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e entidades como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). O resultado, contudo, está longe de ser o ideal.

CIÊNCIA

Primeiro, porque mais assusta do que informa o consumidor. Uma pesquisa da consultoria Bain & Company divulgada na semana passada revelou que dos consumidores atentos à nova rotulagem (56% total), 46% desistiram de comprar produtos que trazem as tais lupas.

“Em uma época em que narrativas sem fundamentação são trazidas à população, cabe-nos (e a todos aqueles que estudam e entendem de ciência e de tecnologia de alimentos) trazer um pouco de luz e de verdade”, afirmou Dornellas.

“Combater o terrorismo nutricional é muito importante na educação alimentar. Basta abrir as redes sociais que o cidadão se depara com pessoas, algumas até famosas, indicando o que é obrigatório e o que é proibido.” Criado pela Abia, o site Tem Comida, Tem Verdade é uma das respostas a esse movimento.

Na terça-feira (12), o LIDE, Grupo de Líderes Empresariais, realiza em parceria com o jornal Estadão um debate para esclarecer alguns mitos e verdades por trás dessa indústria.

(Divulgação)

”Combater o terrorismo nutricional é muitoimportante na educação alimentar. Basta abrir as redes sociais que o cidadão se depara com pessoas indicando o que é obrigatório e o que é proibido.”
João Dornellas, presidente executivo da Abia

Criar uma rotulagem que comunique melhor o impacto dos alimentos sobre a saúde não é o único desafio. O setor se vê diante de uma situação na qual os benefícios que proporciona são invalidados pelos supostos problemas que causa.

Na terça-feira (5), o presidente Lula assinou, durante reunião do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, dois decretos focados no combate à fome. Além da regulamentação do Programa Cozinha Solidária, oficializou a composição da nova cesta básica, que deve ser formada por alimentos in natura ou minimamente processados. Os ultraprocessados estão proibidos.

Para os representantes da indústria, essa decisão decorre mais de um estigma do que da real necessidade alimentar da população. “Essa classificação de alimentos que criou o termo ‘ultraprocessado’ acaba por fazer os mais incautos imaginar que a inovação e a tecnologia aplicadas no desenvolvimento de novos produtos seja algo nocivo ou ruim”, afirmou Dornellas.

Isso porque quanto mais inovação (e mais processamento) se utilizar, maior a probabilidade de que os novos produtos se aproximem do que se convencionou chamar de ultraprocessados apenas por envolver mais etapas na industrialização.

Dornellas recorre a um exemplo para ilustrar a questão. Uma cooperativa de fruticultores que quiser preparar sua geleia de frutas com conservantes para preservar a qualidade do produto durante sua vida útil e assim não causar danos à saúde da população teria de classificar a geleia como ultraprocessada.

“A indústria de alimentos investe consistentemente no desenvolvimento de novos processos, ingredientes, formulações. Somente no ano passado, foram R$ 36 bilhões investidos em inovação”, afirmou Dornellas. “Infelizmente, essa terminologia só faz vilanizar quem trabalha sério e gera progresso, emprego e renda”.